segunda-feira, 29 de março de 2010

Publique-se, Registre-se, Faça-se cumprir!



Reconhecemos que a escravidão e o tráfico escravo, incluindo o tráfico de escravos transatlântico, foram tragédias terríveis na história da humanidade, não apenas por sua barbárie abominável, mas também em termos de sua magnitude, natureza de organização e, especialmente, pela negação da essência das vítimas ; ainda reconhecemos que a escravidão e o tráfico escravo são crimes contra a humanidade e assim devem sempre ser considerados, especialmente o tráfico de escravos transatlântico, estando entre as maiores manifestações e fontes de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata; e que os Africanos e afro-descendentes, Asiáticos e povos de origem asiática, bem como os povos indígenas foram e continuam a ser vítimas destes atos e de suas conseqüências;


. Reconhecemos que o colonialismo levou ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, e que os Africanos e afro-descendentes, os povos de origem asiática e os povos indígenas foram vítimas do colonialismo e continuam a ser vítimas de suas conseqüências. Reconhecemos o sofrimento causado pelo colonialismo e afirmamos que, onde e quando quer que tenham ocorrido, devem ser condenados e sua recorrência prevenida. Ainda lamentamos que os efeitos e a persistência dessas estruturas e práticas estejam entre os fatores que contribuem para a continuidade das desigualdades sociais e econômicas em muitas partes do mundo ainda hoje; (1)
Seqüestro, violência (física, psicológica, verbal, política, cultural, institucional), discriminação, preconceito. Crimes tipificados em legislações internacionais, e de elevado potencial ofensivo (considerados até mesmo hediondos) passíveis de punições severas previstas nos códigos judiciários. Todavia, muitas vezes são “ relevados “, e não são vistos na sua real gravidade e tampouco leva-nos a refletir na sua real (e negativa) extensão.
Os atingidos pelo Holocausto foram considerados como “vítimas”, receberam o reconhecimento de sua tragédia, suas perdas foram objeto de reparação e indenização e seus descendentes lutam para manter acesa até hoje a lembrança da “barbárie “, de modo a não permitir sua repetição. No Brasil, as vítimas da Ditadura Militar foram anistiadas, receberam indenizações e tiveram seus direitos restaurados. Nos dois casos, os crimes cometidos durante anos, e que vitimaram grande número de pessoas, receberam tratamento jurídico visando à reparação de suas consequências .
A colonização da África, e seus reflexos na diáspora também são consideradas criminosos, principalmente a “escravidão “ e as conseqüências de sua prática. Os crimes de seqüestro, violência, discriminação e preconceito, cometidos durante “séculos” contra negros e seus descendentes, ainda persistem.Diferentemente ao Holocausto, tentam “apagar” a história da escravidão, provocar o esquecimento do sofrimento causado aos negros , desconsiderar as suas perdas .
O arcabouço jurídico no Brasil, no tocante ao direito de negros e afro-descendentes é algo contraditório. Buscou-se sempre, através de leis, criar dificuldades e embaraços legais que permitissem ao negro o acesso a bens e direitos e sua integração na sociedade de modo justo e igualitário (2). As leis “favoráveis aos negros não pegam (?!)”. (3)
O negro foi impedido por lei de ter acesso à terra e à educação, que era estendido a “estrangeiros brancos” ou “não negros “, no projeto de embranquecimento da sociedade brasileira. Foi tentado apagar sua presença e participação na formação da sociedade, através do “estímulo a educação eugênica “ (4). As expressões culturais de matriz africana (como a capoeira e o candomblé, por exemplo) foram “criminalizadas”, de modo a não permitir a manutenção da identidade dos negros e afro-descendentes. Ser negro é quase sinônimo de ser “marginal “, e ao negro é legado viver “à margem” na sociedade.
Pode-se perceber, apesar da hipocrisia de alguns, ignorância de outros tantos e omissão da maioria, que a pobreza, a fome, a desigualdade, a discriminação e as piores condições de vida são “privilégio (?!) dos negros “. A miséria tem cor : ela é negra. O desemprego e as injustiças sociais também. Quando se fala em”políticas de reparação e ação afirmativa”, colocam-se vários argumentos contrários a implementação das mesmas. Afirma-se que elas serão causa de “tensão social “, “violência racial”, causarão ruptura no “equilíbrio da democracia racial brasileira”.
Porém a “tensão” foi durante séculos a realidade presente nos porões de navios negreiros e senzalas onde os negros “seqüestrados, violentados, aviltados física,psicológica e culturalmente “ foram colocados. “Violência racial é a realidade das zonas pobres, favelas e cárceres onde a maioria das vítimas é negra.
“Democracia racial “é uma lenda(5), pois a igualdade de oportunidades é inexistente : os negros são minoria em postos e cargos de comando, minoria na pirâmide social brasileira, ou em quaisquer que sejam as áreas avaliadas. Os negros são invisibilizados nas áreas artísticas e de comunicações ( publicidade, TV, mídia impressa, etc... ). Os negros são minoria na elite cultural e acadêmica do país, apesar de serem a maioria da população brasileira (2a. maior população negra no mundo, fora do continente africano).
A implementação de leis de reparação e políticas afirmativas foram a causa da promoção da melhoria de condições sociais da população negra e afro-descendente em diversos países. Já esta mais do que provado da necessidade de assumir-se que “ um crime foi cometido contra a população negra no mundo ( e especialmente no Brasil – último país a abolir a escravidão ) e precisa ser reparado”. Sem demagogia. Sem hipocrisia. Sem radicalismos. A história do “ Holocausto a que foram submetidos os negros não deve ser esquecida, para que não se repita “ . Políticas devem ser implementadas para minorar (nunca vão reparar) os efeitos da escravidão a que foram submetidos os negros no Brasil e tentar através dos tempos eliminar suas conseqüências nas gerações futuras. A Sanção do estatuto da Igualdade Racial e a plena implementação da lei 10.639 são fundamentais neste processo.
A lei No 10.639, de 9 de Janeiro de 2003,” altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências :
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
§ 3o (VETADO)"
"Art. 79-A. (VETADO)"
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’."
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.
A Lei 10.639 “ JÁ ESTÁ EM VIGOR HÁ 5 ANOS! TEM DE SER CUMPRIDA! NÃO CUMPRIR A LEI É CRIME!
O não cumprimento da lei é no mínimo “crime omissivo“(6). A educação é fundamental para eliminação das desigualdades e injustiças sociais . A escola é um importante espaço no qual se formam os cidadãos. A implementação da lei pela comunidade escolar, muito vai contribuir para a reparação moral e afirmação da auto-estima da população negra do país. A difusão e valorização da cultura negra e da participação dos personagens negros de destaque na formação da sociedade brasileira é de vital importância neste processo. O conhecimento da história do povo negro, no Brasil e na diáspora, vai contribuir de maneira positiva para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, livre de discriminações e preconceitos. Observemos as declarações abaixo:
“ A Educação é a maneira pela qual deve ser ensinada a aceitação e convivência igualitária entre as diversas etnias componentes da sociedade brasileira. Deve-se ensinar que as diferenças são não fatores de “menosprezo ou preconceito “ mas apenas diferenças com as quais devemos aprender a conviver“(7)
“ A identidade negra não resulta da constatação da diferença fenotípica, da cor da pele, mas do conhecimento dos antecedentes históricos pelos quais os negros foram “violentamente retirados” de suas raízes e utilizados como “ferramentas”, “mão-de-obra”, e não como indivíduos com uma história e culturas ricas e de grande valor e influências, presentes na cultura brasileira“(8)
“ Por quê as heranças e práticas de origem africana, bem como sua história, não foram incorporadas na educação brasileira ? Apesar de sua importância, a cultura africana não tem sido adequadamente reconhecida, necessitando pois da promulgação da lei 10.639, para que a “identidade negra” possa ser “valorizada”, desenvolvida e permeada na sociedade brasileira“(9)
Considerando, pois, o acima exposto; Publique-se. Registre-se. Faça-se cumprir!
Notas:
Nota 1 – Declaração de Durban : ORIGENS, CAUSAS, FORMAS E MANIFESTAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DE RACISMO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, XENOFOBIA E INTOLERÂNCIA CORRELATA
Nota 2 – Constituição do Império de 1824, Capítulo VI, artigos 92-III e V, 93 e 94- I e II .
Nota 3 - Lei de 7 de novembro de 1831Lei Feijó – Proibição do Tráfico Negreiro , considerada “ Lei para inglês ver “, pois o tráfico apesar de “proibido”, só foi abolido em 4 de setembro de 1850 pela LEI DE EXTINÇÃO DO TRÁFICO NEGREIRO NO BRASIL ("Lei Eusébio de Queiroz") : Lei no. 581
Nota 4 – Constituição da República de 1934, Capítulo II, Título IV Artigo 138-b . Eugenia é um termo criado por Francis Galton (1822-1911), que a definiu como “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente.”
Em 1931 foi criado o Comitê Central de Eugenismo, presidido por Renato Kehl e Belisário Penna. Propunha o fim da emigração de não-brancos, e "prestigiar e auxiliar as iniciativas científicas ou humanitárias de caráter eugenista que sejam dignas de consideração". Higienismo e eugenismo se confundem, no Brasil.Um dos objetivos do comitê era a “luta pelo aperfeiçoamento eugênico do povo brasileiro” .- (Fonte : www.wikipédia.org)
Nota 5 - Lenda : Tradição popular . Narrativa, história fabulosa ou misteriosa .
Nota 6 - Crime Omissivo é aquele em que o agente comete o crime ao deixar de fazer alguma coisa.
Os crimes omissivos se subdividem em:
· a) Omissivos próprios ou puros – são os que perfazem pela simples abstenção independentemente de um resultado posterior.
· b) Omissivos impróprios – são aqueles os quais o agente por uma omissão inicial da causa a um resultado que ele tinha dever jurídico de evitar.
Exemplo: a mãe que tinha dever jurídico de alimentar seu filho deixa de fazê-lo, provocando a morte da criança. Respondendo nesse caso por delito de homicídio. ( Fonte : www.wikipédia.org)
Notas de 7 a 9 - Dr. Kabengele Munanga – Aula Inaugural - Curso de Pós-Graduação em Estudos Culturais e Históricos da Diáspora e Civilização Africana
Funemac , Macaé – Maio de 2007 .

Jorge Luís Rodrigues dos Santos
Graduado em Letras, Especialista em Estudos Afro-Diaspóricos, Pós-graduando em Gestão Escolar (Orientação Educacional). Professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro. Tutor do Curso Educação para as Relações Étnico-Raciais, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, Programa de Educação Sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB), Pólo UAB Rio das Ostras.

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