sexta-feira, 19 de março de 2010

A FILOSOFIA BRASILEIRA NO PERÍODO COLONIAL E AO LONGO DO SÉCULO XIX

A meditação filosófica brasileira durante o período colonial caracteriza-se pela sua inspiração nos temas tratados pela Segunda Escolástica portuguesa. O ponto central desta consistia na defesa da ortodoxia católica, a partir das disposições adotadas no Concílio de Trento (1545-1563) como reação contra a reforma protestante. A máxima expressão desse esforço foi a Ratio Studiorum, sistematizada definitivamente em 1599, e que consistia num estrito regulamento que pautava as atividades acadêmicas da Companhia de Jesus em Portugal e na Espanha. Tal regulamento disciplinou o ensino no Colégio das Artes de Coimbra, na Universidade de Evora e nas demais escolas jesuíticas, que praticamente monopolizavam os estudos secundários em Portugal.
Dois aspectos típicos da Ratio Studiorum eram a subordinação do ensino superior à teologia e o dogmatismo, que se alicerçava na procura de uma ortodoxia definida pelos próprios jesuítas e que conduzia a expurgar os textos dos autores, inclusive os do próprio São Tomás de Aquino. Como acertadamente destacou Antônio José Saraiva [1955: 229-230], "Não é necessário colocar em evidência o caráter dogmático desse ensino, perfeitamente coerente com o sistema no qual se integra. O ensino da filosofia não visava a desenvolver a capacidade crítica do aluno, mas a incutir nele uma determinada doutrina, a prevenir os possíveis desvios em relação a ela e a prepará-lo para defendê-la".
O ambiente cultural ensejado em Portugal pela Ratio Studiorum não favoreceu a abertura às filosofias modernas formuladas na Europa durante os séculos XVI e XVII. Conseqüentemente, a meditação filosófica colonial correspondeu, no Brasil, à corrente chamada por Luís Washington Vita de "saber de salvação", cujos principais representantes foram Manuel da Nóbrega, Gomes Carneiro, Nuno Marques Pereira e Souza Nunes. Desse conjunto destaca-se a obra de Marques Pereira (1652-1735) intitulada Compêndio narrativo do peregrino da América [Pereira, 1939], que foi editada sucessivamente em 1728, 1731, 1752, 1760 e 1765. A obra respondia à problemática típica da espiritualidade monástica, centrada na idéia de que o homem não foi criado por Deus para esta vida, destacando-se, em conseqüência, o caráter negativo da corporeidade e das tarefas terrenas.
Na segunda metade do século XVIII, consolidou-se em Portugal a corrente do empirismo mitigado, que se caracterizava por uma forte crítica à Segunda Escolástica e ao papel monopolizador que exerciam os jesuítas no ensino, bem como pela tentativa de formular uma noção de filosofia que se reduzisse à ciência aplicada. Duas obras serviram de base a essa nova corrente: Instituições lógicas do italiano Antonio Genovesi (1713-1769) [1937] e o Verdadeiro método de estudar, do sacerdote oratoriano português Luís Antônio Verney (1713-1792) [1950]. O empirismo mitigado foi formulado e se desenvolveu no contexto mais amplo das reformas educacionais do marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), que pretendiam incorporar a ciência aplicada ao esforço de modernização despótica do Estado português. Contudo, ao responder a uma problemática formulada a partir das necessidades do Estado patrimonial e não a partir de uma perspectiva que tivesse como centro o homem, o empirismo mitigado não conseguiu dar uma resposta satisfatória aos problemas da consciência e da liberdade.
O empirismo mitigado inspirou, no entanto, a importantes segmentos da intelligentsia brasileira, a partir da mudança da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808. A geração de homens públicos que organizou as primeiras instituições de ensino superior era de formação cientificista-pombalina. Entre eles, cabe destacar a figura de dom Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812), conde de Linhares, quem em 1810 organizou a Real Academia Militar do Rio de Janeiro.
O esforço em prol da superação do empirismo mitigado coube a Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846). Inspirado na filosofia de Leibniz (1646-1716) e, de outro lado, na lógica aristotélica e no empirismo lockeano, o pensador português, quem foi ministro da corte de dom João VI no Brasil, formulou um amplo sistema que abarcava três partes: a teoria do discurso e da linguagem, o saber do homem e o sistema do mundo. A sua mais importante contribuição ao pensamento brasileiro consistiu na tentativa de superação da filosofia até então vigente; a sua proposta teórica foi sistematizada principalmente nas Preleções filosóficas [Ferreira, 1970] e na formulação do liberalismo político e das bases do sistema representativo, no Manual do cidadão num governo representativo [In: Ferreira, 1976]. Graças à sua valiosa colaboração teórica, o Império brasileiro conseguiu superar os problemas do liberalismo radical e deitou as bases para a prática parlamentar. No entanto, a sua meditação não conseguiu formular de maneira completa uma explicação filosófica para o problema da liberdade.
Os temas da consciência e da liberdade ocuparam o foco do debate filosófico que se efetivou no Brasil ao longo do século XIX. A partir das bases colocadas pela meditação de Silvestre Pinheiro Ferreira, os pensadores ecléticos procuraram dar uma resposta de caráter espiritualista à problemática do homem. Sem dúvida que os filósofos brasileiros deste período inspiraram-se no ecletismo espiritualista francês formulado por Maine de Biran (1766-1824) e divulgado por Victor Cousin (1792-1867), que permitiu superar o extremado sensismo de Condillac (1715-1780). Mas o pensamento dos primeiros reveste-se da originalidade que tinham as circunstâncias históricas do Brasil no século XIX, relacionadas com o problema da construção do sentimento de nação e com a organização do Estado.
As duas figuras mais representativas do ecletismo brasileiro são Eduardo Ferreira França (1809-1857) e Domingos Gonçalves de Magalhães (1811-1882). A obra do primeiro caracteriza-se por buscar uma fundamentação filosófica para o exercício da liberdade política. Apesar de ter formulado uma visão determinista do homem nos seus primeiros escritos, o seu pensamento evolui até uma concepção espiritualista na obra fundamental intitulada Investigações de psicologia [França, 1973], publicada em Paris em 1854. Sem abandonar a perspectiva empirista que tinha adotado desde o início da sua meditação filosófica, Ferreira França, graças à influência de Maine de Biran, consegue desenvolver o tema da introspeção, que lhe permitirá chegar, com o rigor da observação empírica, à constatação da existência do espírito. Na sua meditação, Ferreira França dará especial ênfase ao tema da vontade, a qual é concebida como o elemento capitalizador dos diversos poderes de que está dotado o homem, cabendo-lhe a função primordial de constituí-lo como pessoa.
Gonçalves de Magalhães expôs o seu pensamento filosófico na obra intitulada Fatos do espírito humano [Magalhães, 1865], publicada em Paris em 1859. O problema ao qual respondeu a filosofia do maior pensador romântico do Brasil foi o da construção da idéia de nação. Isso fez com que a obra de Magalhães, como destaca o seu mais importante estudioso, Roque Spencer Maciel de Barros [1973], se formulasse no contexto de uma proposta pedagógica. Magalhães baseia a sua visão da liberdade e da moral numa análise filosófica inspirada em Victor Cousin e parcialmente em Malebranche (1638-1715) e Berkeley (1685-1753); formula uma explicação do homem em termos puramente espiritualistas, que negam qualquer valor substancial ao mundo material, inclusive ao próprio corpo, já que o universo sensível só existe intelectualmente em Deus, como pensamentos seus. O homem, preso ao corpo, é livre por ser espírito e adquire a conotação de ente moral justamente em virtude dessa "resistência do corpo". A moral de Magalhães, como a de Cousin, é uma moral do dever que valoriza a intenção do autor e não o resultado do ato. A inspiração romântica dessa filosofia aparece na importância conferida por Magalhães ao fator religioso como motor da nacionalidade, bem como no papel desempenhado pela poesia enquanto educadora do povo (ele foi o mais importante representante do romantismo literário no Brasil). Dessa forma, Magalhães desempenha, no contexto brasileiro, um papel semelhante ao representado em Portugal pelo primeiro romântico luso, Alexandre Herculano (1810-1877).
Outras figuras de menor imporância na corrente eclética brasileira foram Salustiano José Pedrosa (falecido em 1858) e Antônio Pedro de Figueiredo (1814-1859), quem traduziu ao português o Curso de história da filosofia moderna de Victor Cousin. O ocaso da corrente eclética dá-se ao longo do período de 1880 a 1900, em decorrência do fenômeno cultural denominado por Sílvio Romero (1851-1914) de "surto de idéias novas", e que se caracterizou pela entrada, nos meios acadêmicos, de filosofias contrárias ao espiritualismo eclético, como o darwinismo, o determinismo monista e o positivismo.
Sem dúvida alguma que, entre as correntes filosóficas em ascensão nas últimas décadas do século XIX, o positivismo foi a que mais repercussão teve no seio do pensamento brasileiro. A razão fundamental desse fato radica na pré-existente tradição cientificista que se iniciou com as reformas pombalinas, à luz das quais estruturou-se todo o sistema de ensino superior, em bases que privilegiavam a ciência aplicada e a instrução estritamente profissional. Isso explica a tardia aparição da idéia de universidade (entendida como instância de cultura superior e de pesquisa básica), no contexto cultural brasileiro. Efetivamente, só a partir da década de 1920 ganharia corpo a idéia de universidade, como reação contra o positivismo reinante.
O positivismo teve no Brasil quatro manifestações diferentes: a ortodoxa, a ilustrada, a política e a militar. A corrente ortodoxa teve como principais representantes Miguel Lemos (1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927), os quais fundaram, em 1881, a Igreja Positivista Brasileira, com o propósito de fomentar o culto da "religião da humanidade", proposta por Comte (1798-1857), no seu Catecismo positivista.
A corrente ilustrada teve como principais representantes Luís Pereira Barreto (1840-1923), Alberto Sales (1857-1904), Pedro Lessa (1859-1921), Paulo Egydio (1842-1905) e Ivan Lins (1904-1975). Esta corrente defendia o plano proposto por Comte na primeira parte da sua obra, até 1845, antes de formular a sua "religião da humanidade", e que poderia ser sintetizado assim: o positivismo constitui a última etapa (científica) da evolução do espírito humano, que já passou pelas etapas teológica e metafísica e que deve ser educado na ciência positiva, a fim de que surja, a partir desse esforço pedagógico, a verdadeira ordem social, que foi alterada pelas revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII.
A corrente política do positivismo teve como maior expoente Júlio de Castilhos (1860-1903) [cf. Vélez, 1980], quem em 1891 redigiu a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que entrou em vigor nesse mesmo ano. Segundo essa carta, as funções legislativas passavam às mãos do poder executivo, sendo os outros dois poderes públicos (legislativo e judiciário) tributários do executivo hipertrofiado. Para Castilhos, deveria se inverter o dogma comteano de que à educação moralizadora seguiria pacificamente a ordem social e política. O Estado forte deveria, ao contrário, impor coercitivamente a ordem social e política, para depois educar compulsoriamente o cidadão na nova mentalidade, ilustrada pela ciência positiva. Esta corrente ganhou maior repercussão do que as outras três, devido a que obedeceu à tendência cientificista de que já se tinha impregnado o modelo modernizador do Estado consolidado pelo marquês de Pombal. Assim, as reformas autoritárias de tipo modernizador que o Brasil iria experimentar ao longo do século XX, deram continuidade à mentalidade castilhista do Estado forte e tecnocrático. Este modelo consolidou-se na obra de um seguidor de Castilhos: Getúlio Vargas (1883-1954), como será detalhado mais adiante. Aconteceu com o castilhismo algo semelhante ao ocorrido no México com o porfirismo: ambas as doutrinas cooptaram a filosofia positivista como ideologia estatizante e reformista.
A corrente militar positivista teve como principal representante Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), professor da Academia Militar e um dos chefes do movimento castrense que derrubou a monarquia em 1889. Esta corrente estruturou-se paralelamente à ilustrada, projetando ao longo das últimas décadas do século XIX o ideário cientificista pombalino, conforme destacou Antônio Paim [1980: 259]: "A adesão às doutrinas de Comte por parte dos líderes da Academia Militar, deu-se no estreito limite em que contribuiu para desenvolver as premissas do ideário pombalino, quer dizer, a crença na possibilidade da moral e da política científicas. Para comprová-lo, basta comparar as funções às que Comte destinava as forças armadas e o papel que Benjamin Constant atribui ao Exército".
A filosofia positivista foi vigorosamente criticada pela corrente denominada de "Escola do Recife" [cf. Paim, 1966]. O fundador e mais destacado representante dessa corrente de pensamento foi Tobias Barreto (1839-1889). Outras figuras dignas de menção são Sílvio Romero (1851-1914), Clóvis Beviláqua (1859-1944), Artur Orlando (1858-1916), Martins Júnior (1860-1909), Faelante da Câmara (1862-1904), Fausto Cardoso (1864-1906), Tito Livio de Castro (1864-1890) e Graça Aranha (1868-1931).
Os pensadores da "Escola do Recife" protagonizaram uma clara reação contra as duas formas de pensamento que dominavam o panorama filosófico nacional nas últimas décadas do século XIX: o ecletismo espiritualista e o positivismo. Apesar de que no início os seus principais expoentes tivessem tomado elementos do monismo de Haeckel (1834-1919) e da própria filosofia comteana, muito cedo superaram esses limitados pontos de vista para se abrirem às idéias que garantiriam a tematização da cultura, no contexto do neo-kantismo. Esse esforço teórico foi iniciado por Tobias Barreto e coroado por Artur Orlando. Rosa Mendonça de Brito [1980: 33] sintetizou assim a contribuição deste último: "A sua filosofia é uma meditação sobre as ciências e a crítica ou teoria do conhecimento. Esta é a parte da filosofia que lhe dá um objeto próprio, capaz de justificar-lhe a existência, representando, pois, o núcleo central do pensamento filosófico moderno e contemporâneo. A teoria do real e do ideal -- saber o que o nosso conhecimento possui de objetivo e de subjetivo -- é o seu problema fundamental".
A "Escola do Recife" foi, no contexto do pensamento filosófico brasileiro do século XIX, a mais clara manifestação da perspectiva transcendental kantiana, ao entender -- com Tobias Barreto e Artur Orlando -- a filosofia como epistemologia. Esses pensadores, sem dúvida, deitaram as bases para o ingresso e a discussão, no meio brasileiro, das idéias provenientes do neo-kantismo, nas primeiras décadas do século XX.
De outro lado, ao buscar uma fundamentação de tipo transcendental não só para o conhecimento, mas também para a ação humana, a "Escola do Recife", especialmente através da meditação dos dois autores mencionados anteriormente, desaguou na concepção da cultura como dimensão específica do humano, que se contrapõe ao mundo da natureza. Segundo o fundador da "Escola do Recife": "(...) a sociedade, que é o grande aparato da cultura humana, deixa-se figurar através da imagem de um emaranhado imenso de relações sinérgicas; é um sistema de regras, é uma rede de normas, que se não limitam ao mundo da ação, chegando até os domínios do pensamento. Moral, direito, gramática, lógica, civilidade, cortesia, etiqueta, etc., são outros tantos corpos de doutrina que têm de comum entre si o caráter normativo (...). E tudo isso é obra da cultura em luta com a natureza (...), luta na qual o direito é o fio vermelho e a moral o fio de ouro, que atravessam todo o tecido das relações sociais. Um direito natural possui tanto sentido quanto uma moral natural, uma gramática natural, uma ortografia natural, uma civilidade natural, pois todas essas normas são efeitos, invenções culturais" [Tobias Barreto, 1966: 331-332].
A "Escola do Recife", ao mesmo tempo que permitiu fazer uma crítica de fundo ao determinismo positivista, que ancorava na submissão naturista da liberdade e da consciência, reduzindo-as a efeitos da "física social", deitou também as bases para a corrente de pensamento que no século XX revelar-se-ia mais vital no contexto da meditação filosófica brasileira: o culturalismo.
Apesar de que a "Escola do Recife" foi a mais importante herdeira do kantismo ao longo do século XIX, não podemos ignorar o papel pioneiro que representaram os Cadernos de Filosofia [Feijó, 1967] do padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843), que sintetizam o magistério do regente do Império (1835-1837). Neles, encontramos viva a presença de Kant (1724-1804), tanto no que se refere à forma em que Feijó entende a razão humana, quanto no que diz relação ao exercício da liberdade. As seguintes palavras, que ilustram a idéia que o padre paulista tinha acerca da meditação filosófica, partem do pressuposto da "revolução copernicana" do filósofo de Königsberg, de enxergar a problemática do conhecimento sob uma perspectiva estritamente humana e transcendental: "Sendo o homem -- afirma Feijó em seus Cadernos -- a única substância conhecida por ele, é claro que toda ciência para ser verdadeira e não fenomenal, quer dizer, para ter um valor real em si, deve fundamentar-se no mesmo homem. É nas suas leis onde residem os princípios originais e primitivos de toda a ciência humana".
A meditação filosófica brasileira do século XIX não seria alheia à influência do krausismo. Miguel Reale destaca que o pensamento de Krause (1781-1832), apesar de ter entrado indiretamente no panorama brasileiro por intermédio do jurista português Vicente Ferrer Neto Paiva (1798-1886) e dos krausistas Ahrens (1808-1874) e Tiberghien (1819-1901), teve ampla repercussão na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Os principais representantes dessa tendência foram Galvão Bueno (1834-1883) e João Theodoro Xavier (1820-1878), cuja obra Teoria transcendental do direito (1876), segundo Reale, "compendia os princípios fundamentais do racionalismo harmônico de Krause, com freqüentes referências à doutrina de Kant". João Theodoro tentou superar o individualismo da concepção kantiana do direito, numa visão que desse lugar essencial ao papel social do mesmo, sendo assim um dos precursores do chamado "direito social", ou "direito trabalhista" no Brasil.
Uma corrente de filosofia política bastante cultuada durante o Império foi o denominado liberalismo doutrinário. O pensamento de autores como François Guizot (1787-1874), Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), Royer-Collard (1763-1843), etc., exerceu bastante influência na consolidação do sistema representativo. Os pensadores brasileiros que mais diretamente receberam essa influência foram Paulino Soares de Souza, visconde de Uruguai (1807-1866) e o publicista Pimenta Bueno (1803-1878). A visão liberal-conservadora legada pelos doutrinários sofreria, em terras brasileiras, uma análise crítica do ponto de vista do liberalismo democrático de Alexis de Tocqueville (1805-1859). Tavares Bastos (1839-1875) e José de Alencar (1829-1877) foram os pensadores que melhor realizaram essa revisão crítica, que serviu de bandeira ao Partido Liberal, notadamente ao longo das décadas de 1860 e 1870 [cf. Vélez, 1997a e 1997b].
Como reação ao pensamento liberal, o tradicionalismo teve bastante divulgação ao longo do século passado. Podemos citar, como representantes importantes dessa tendência, dom Romualdo Seixas (1787-1860), quem foi arcebispo de Salvador-Bahia e recebeu do Imperador o título de Marquês de Santa Cruz, e José Soriano de Souza (1833-1895).
Apesar de terem recebido a influência dos tradicionalistas franceses Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis de Bonald (1754-1840), os brasileiros mostraram-se muito mais tolerantes do que aqueles e do que os portugueses. Ubiratan Macedo [1981: 19] sintetizou assim o núcleo da filosofia tradicionalista brasileira: "Pode-se afirmar que os tradicionalistas brasileiros no século XIX tinham consciência clara de um conjunto de teses filosóficas, religiosas e de caráter social, ao redor das quais desenvolveram ensaios de certa magnitude. Tais teses consistiam no menosprezo pelo racionalismo e o liberalismo; na defesa da monarquia legítima; no empenho em prol da união da Igreja e do Estado e em prol da proscrição do matrimônio civil; na luta em defesa da liberdade de imprensa e de pensamento, em nome do direito à verdade. Passando ao nível político (...) e excetuando a preferência pela monarquia, não se observa maior claridade nas opções. A monarquia constitucional vigente era francamente tolerada, assim como o regalismo (...).E quanto a ter uma atenção política estruturada, como pretendia Soriano de Souza, esta não chegou a ser considerada. O grupo, apesar de ativo, era francamente minoritário e nunca teve maior proximidade com o poder".

Ricardo Vélez Rodríguez
Professor Associado da UFJF
Membro da Academia Brasileira de Filosofia
rive2001@gmail.com

Nenhum comentário: