segunda-feira, 15 de março de 2010

O IRÃ, O BRASIL E A VISITA DE HILLARY CLINTON


A visita da Secretária de Estado Hillary Clinton ao Brasil tem objetivos  distintos se comparada às anteriores vindas de altos emissários do governo de Washington. Transcendendo aos assuntos que têm feito parte da agenda regular das relações bilaterais entre os dois Estados, como as questões envolvendo o etanol, o protecionismo norte-americano com relação aos produtos agrícolas e as querelas relativas à Venezuela de Chavez e ao Plano Colômbia, Hillary veio discutir com Lula sobre a posição brasileira no que se refere ao programa nuclear iraniano. O Brasil, como membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU, tem se posicionado contra a imposição de sanções ao governo iraniano, insistindo no diálogo e no não-isolamento iraniano. Mas por que o Brasil se coloca numa posição contrária a das grandes potências ocidentais e por que esta posição, que, aliás, é idêntica a da Argentina e do México, se tornou tão relevante?
Para compreender a posição do governo brasileiro, faz-se mister tomar em conta quatro aspectos, dois históricos e dois conectados à atual conjuntura política do Brasil.
Pragmatismo: a diplomacia brasileira é caracterizada pelo pragmatismo desde a Política Externa Independente (PEI) de Jânio Quadros, que, assim como se alinhava a Washington, condecorava Ernesto Guevara com a Ordem do Mérito Cruzeiro do Sul. Mesmo durante o regime militar, a política externa brasileira se mostrou muito mais ligada aos interesses econômicos brasileiros do que à ideologia dominante controlada pelas contingências da Guerra Fria. O famoso “alinhamento automático” dos governos Castelo Branco e Médici foi um mito, pois o Brasil nunca abriu mão de se relacionar com países socialistas se isso fosse do interesse comercial do país. Em um discurso pronunciado em julho de 1964, o presidente Castelo Branco reconhecia os EUA como representantes da democracia e dos valores da civilização ocidental, mas afirmava que o alinhamento só ocorreria se não houvesse choque com os interesses brasileiros. Seu Ministro das Relações Exteriores, Vasco Leitão da Cunha, afirmou que o Brasil deveria “exportar ou morrer” e que o interesse comercial deveria estar acima de qualquer tipo de diferença política ou ideológica. E esta tendência pragmática atingiu seu ápice no governo Geisel. O chanceler Francisco Azeredo da Silveira formulou a política denominada de Pragmatismo Responsável. O ministro Azeredo da Silveira propôs que o Brasil pautasse sua política externa em seu interesse imediato, especialmente no que concerne ao comércio. Isso significa dizer que os interesses nacionais ficariam acima de qualquer alinhamento ou compromisso ideológico, e se projetariam em todas as direções, ajustadas de acordo com a realidade e o interesse de cada parceiro nas relações bilaterais ou multilaterais de maneira bastante dinâmica. Destarte, o Brasil assumiu posições polêmicas como reconhecer o governo do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), de cunho marxista, que havia se imposto pela via revolucionária. Para o Brasil importava fortalecer os laços com governos lusófonos e tentar ocupar um nicho de mercado tradicionalmente dominado por Portugal. Em 1973, em plena crise do petróleo, e com a intensificação do comércio do Brasil com o mundo árabe, o Brasil se indispôs com Israel ao votar a favor de uma moção na ONU que considerava o sionismo uma forma de racismo.
A Questão da Autodeterminação: a Conferência de Bandung (1955), realizada na Indonésia, foi um marco das relações entre os países do Terceiro Mundo (aliás, inaugura esta denominação) e as duas superpotências da época, EUA e URSS. Naquela ocasião, países africanos e asiáticos, recém saídos do colonialismo, oficializaram seu manifesto de “neutralidade” em relação à Guerra Fria e propugnaram pelo direito de seguir um caminho independente, auto determinado, “não alinhado”; isto é, defendiam a idéia de que cada país tem o direito de buscar o seu desenvolvimento da forma que lhe convier, e que outros países não têm o direito de interferir em seus assuntos internos. Esta argumentação já foi utilizada tanto para justificar medidas legítimas de busca de maior autonomia, como foi também um escudo de defesa de ditaduras e de flagrantes violações dos direitos humanos. O Brasil, como país em desenvolvimento, sempre se colocou a favor da autodeterminação, tanto da própria como da de outros países.
O Momento: o Brasil vive um momento de inédita exposição no exterior. Sede da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, com o seu presidente sendo considerado o “Homem do Ano” por jornais influentes como o “Le Monde” e o “El Pais”, e membro de uma das cadeiras rotativas do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil quer se sobressair como um ator com um contributo relevante no palco das Relações Internacionais, não precisando da aprovação dos EUA ou da ONU para estabelecer as suas relações diplomáticas, apresentando e discutindo uma agenda própria. O Brasil, diante de sua nova posição no cenário global, quer marcar a sua posição, mostrar independência. O peso do Brasil, todavia, deve ser relativizado em relação à questão iraniana. Primeiro porque o seu assento no Conselho de Segurança da ONU não é permanente, e em segundo lugar por que o Brasil, ao contrário do grupo de países que compõe o Conselho de Segurança (EUA, Inglaterra, França, Rússia e China) não possui armas atômicas e, por isso, o peso da sua opinião nesse contexto é bem menor.
Interesse Próprio: além da questão de subitamente se ver como um país importante o bastante para que a Secretária de Estado da maior potência mundial tente convencê-lo a mudar de idéia, por que o Brasil defende o Irã? Ora, porque possui o interesse em desenvolver o seu próprio programa nuclear e não quer ter os seus planos interrompidos quer seja pela União Européia ou pelos EUA. O Brasil se solidariza com o Irã não somente para marcar uma posição, mas também para apoiar um país em desenvolvimento a possuir o seu programa nuclear para fins pacíficos. E, para a diplomacia brasileira esta é a finalidade do programa iraniano, até prova em contrário. Lula tem viagem agendada para o Irã em maio.

Victor Tempone
Mestre em História Política (UERJ), Especialista em Relações Internacionais (UERJ), Professor e Pesquisador na UERJ e Professor na FAFIMA e e na rede do município de Macaé.
Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Macaé / Universidade Estadual do Rio de Janeiro

2 comentários:

Unknown disse...

Parabéns Mestre Vitor, vejo que ja está preparando o curso de RELAÇÕES INTERNACIONAIS....Definiu muito bem a situação da atual politica externa brasileira, o tempo dirá quem está com a razão.
Abraços

GUARA

Σ Paulo disse...

Sempre defendi a criação da bomba atômica no Brasil e o programa nuclear para fins pacíficos, porém quando o Enéas defendia esses pontos, ele era maluco, ele queria jogar bomba atômica nos países vizinhos, mas ninguém parava para pensar que com a criação da bomba atômica, nós seríamos muito mais levados a sério. Por que será que a super potência estadunidense ainda não invadiu o Irã, mesmo após várias advertências para parar com o seu programa nuclear? Primeiro porque os EUA já estão sofrendo para acabar com a guerra tanto no Iraque como no Afeganistão e abrir outra frente seria uma loucura, ainda mais contra um País que pode jogar bomba atômica contra países aliados seus e onde os EUA tem bases no Oriente Médio, se uma guerra dessa ocorre nesse momento, seria uma guerra generalizada no Oriente Médio, se espalhando para a Coréia do Norte do lado do Irã e Coréia do Sul e Israel do lado americano.

Intão vamos nos armar apenas para proteger a nossa soberania nacional e para defender a população brasileira que não merece ser ultrajada.

Belo tópico professor Victor

Brasil acima de tudo!!