segunda-feira, 29 de março de 2010

Publique-se, Registre-se, Faça-se cumprir!



Reconhecemos que a escravidão e o tráfico escravo, incluindo o tráfico de escravos transatlântico, foram tragédias terríveis na história da humanidade, não apenas por sua barbárie abominável, mas também em termos de sua magnitude, natureza de organização e, especialmente, pela negação da essência das vítimas ; ainda reconhecemos que a escravidão e o tráfico escravo são crimes contra a humanidade e assim devem sempre ser considerados, especialmente o tráfico de escravos transatlântico, estando entre as maiores manifestações e fontes de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata; e que os Africanos e afro-descendentes, Asiáticos e povos de origem asiática, bem como os povos indígenas foram e continuam a ser vítimas destes atos e de suas conseqüências;


. Reconhecemos que o colonialismo levou ao racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, e que os Africanos e afro-descendentes, os povos de origem asiática e os povos indígenas foram vítimas do colonialismo e continuam a ser vítimas de suas conseqüências. Reconhecemos o sofrimento causado pelo colonialismo e afirmamos que, onde e quando quer que tenham ocorrido, devem ser condenados e sua recorrência prevenida. Ainda lamentamos que os efeitos e a persistência dessas estruturas e práticas estejam entre os fatores que contribuem para a continuidade das desigualdades sociais e econômicas em muitas partes do mundo ainda hoje; (1)
Seqüestro, violência (física, psicológica, verbal, política, cultural, institucional), discriminação, preconceito. Crimes tipificados em legislações internacionais, e de elevado potencial ofensivo (considerados até mesmo hediondos) passíveis de punições severas previstas nos códigos judiciários. Todavia, muitas vezes são “ relevados “, e não são vistos na sua real gravidade e tampouco leva-nos a refletir na sua real (e negativa) extensão.
Os atingidos pelo Holocausto foram considerados como “vítimas”, receberam o reconhecimento de sua tragédia, suas perdas foram objeto de reparação e indenização e seus descendentes lutam para manter acesa até hoje a lembrança da “barbárie “, de modo a não permitir sua repetição. No Brasil, as vítimas da Ditadura Militar foram anistiadas, receberam indenizações e tiveram seus direitos restaurados. Nos dois casos, os crimes cometidos durante anos, e que vitimaram grande número de pessoas, receberam tratamento jurídico visando à reparação de suas consequências .
A colonização da África, e seus reflexos na diáspora também são consideradas criminosos, principalmente a “escravidão “ e as conseqüências de sua prática. Os crimes de seqüestro, violência, discriminação e preconceito, cometidos durante “séculos” contra negros e seus descendentes, ainda persistem.Diferentemente ao Holocausto, tentam “apagar” a história da escravidão, provocar o esquecimento do sofrimento causado aos negros , desconsiderar as suas perdas .
O arcabouço jurídico no Brasil, no tocante ao direito de negros e afro-descendentes é algo contraditório. Buscou-se sempre, através de leis, criar dificuldades e embaraços legais que permitissem ao negro o acesso a bens e direitos e sua integração na sociedade de modo justo e igualitário (2). As leis “favoráveis aos negros não pegam (?!)”. (3)
O negro foi impedido por lei de ter acesso à terra e à educação, que era estendido a “estrangeiros brancos” ou “não negros “, no projeto de embranquecimento da sociedade brasileira. Foi tentado apagar sua presença e participação na formação da sociedade, através do “estímulo a educação eugênica “ (4). As expressões culturais de matriz africana (como a capoeira e o candomblé, por exemplo) foram “criminalizadas”, de modo a não permitir a manutenção da identidade dos negros e afro-descendentes. Ser negro é quase sinônimo de ser “marginal “, e ao negro é legado viver “à margem” na sociedade.
Pode-se perceber, apesar da hipocrisia de alguns, ignorância de outros tantos e omissão da maioria, que a pobreza, a fome, a desigualdade, a discriminação e as piores condições de vida são “privilégio (?!) dos negros “. A miséria tem cor : ela é negra. O desemprego e as injustiças sociais também. Quando se fala em”políticas de reparação e ação afirmativa”, colocam-se vários argumentos contrários a implementação das mesmas. Afirma-se que elas serão causa de “tensão social “, “violência racial”, causarão ruptura no “equilíbrio da democracia racial brasileira”.
Porém a “tensão” foi durante séculos a realidade presente nos porões de navios negreiros e senzalas onde os negros “seqüestrados, violentados, aviltados física,psicológica e culturalmente “ foram colocados. “Violência racial é a realidade das zonas pobres, favelas e cárceres onde a maioria das vítimas é negra.
“Democracia racial “é uma lenda(5), pois a igualdade de oportunidades é inexistente : os negros são minoria em postos e cargos de comando, minoria na pirâmide social brasileira, ou em quaisquer que sejam as áreas avaliadas. Os negros são invisibilizados nas áreas artísticas e de comunicações ( publicidade, TV, mídia impressa, etc... ). Os negros são minoria na elite cultural e acadêmica do país, apesar de serem a maioria da população brasileira (2a. maior população negra no mundo, fora do continente africano).
A implementação de leis de reparação e políticas afirmativas foram a causa da promoção da melhoria de condições sociais da população negra e afro-descendente em diversos países. Já esta mais do que provado da necessidade de assumir-se que “ um crime foi cometido contra a população negra no mundo ( e especialmente no Brasil – último país a abolir a escravidão ) e precisa ser reparado”. Sem demagogia. Sem hipocrisia. Sem radicalismos. A história do “ Holocausto a que foram submetidos os negros não deve ser esquecida, para que não se repita “ . Políticas devem ser implementadas para minorar (nunca vão reparar) os efeitos da escravidão a que foram submetidos os negros no Brasil e tentar através dos tempos eliminar suas conseqüências nas gerações futuras. A Sanção do estatuto da Igualdade Racial e a plena implementação da lei 10.639 são fundamentais neste processo.
A lei No 10.639, de 9 de Janeiro de 2003,” altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências :
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o A Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.
§ 3o (VETADO)"
"Art. 79-A. (VETADO)"
"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’."
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 9 de janeiro de 2003; 182o da Independência e 115o da República.
A Lei 10.639 “ JÁ ESTÁ EM VIGOR HÁ 5 ANOS! TEM DE SER CUMPRIDA! NÃO CUMPRIR A LEI É CRIME!
O não cumprimento da lei é no mínimo “crime omissivo“(6). A educação é fundamental para eliminação das desigualdades e injustiças sociais . A escola é um importante espaço no qual se formam os cidadãos. A implementação da lei pela comunidade escolar, muito vai contribuir para a reparação moral e afirmação da auto-estima da população negra do país. A difusão e valorização da cultura negra e da participação dos personagens negros de destaque na formação da sociedade brasileira é de vital importância neste processo. O conhecimento da história do povo negro, no Brasil e na diáspora, vai contribuir de maneira positiva para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, livre de discriminações e preconceitos. Observemos as declarações abaixo:
“ A Educação é a maneira pela qual deve ser ensinada a aceitação e convivência igualitária entre as diversas etnias componentes da sociedade brasileira. Deve-se ensinar que as diferenças são não fatores de “menosprezo ou preconceito “ mas apenas diferenças com as quais devemos aprender a conviver“(7)
“ A identidade negra não resulta da constatação da diferença fenotípica, da cor da pele, mas do conhecimento dos antecedentes históricos pelos quais os negros foram “violentamente retirados” de suas raízes e utilizados como “ferramentas”, “mão-de-obra”, e não como indivíduos com uma história e culturas ricas e de grande valor e influências, presentes na cultura brasileira“(8)
“ Por quê as heranças e práticas de origem africana, bem como sua história, não foram incorporadas na educação brasileira ? Apesar de sua importância, a cultura africana não tem sido adequadamente reconhecida, necessitando pois da promulgação da lei 10.639, para que a “identidade negra” possa ser “valorizada”, desenvolvida e permeada na sociedade brasileira“(9)
Considerando, pois, o acima exposto; Publique-se. Registre-se. Faça-se cumprir!
Notas:
Nota 1 – Declaração de Durban : ORIGENS, CAUSAS, FORMAS E MANIFESTAÇÕES CONTEMPORÂNEAS DE RACISMO, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, XENOFOBIA E INTOLERÂNCIA CORRELATA
Nota 2 – Constituição do Império de 1824, Capítulo VI, artigos 92-III e V, 93 e 94- I e II .
Nota 3 - Lei de 7 de novembro de 1831Lei Feijó – Proibição do Tráfico Negreiro , considerada “ Lei para inglês ver “, pois o tráfico apesar de “proibido”, só foi abolido em 4 de setembro de 1850 pela LEI DE EXTINÇÃO DO TRÁFICO NEGREIRO NO BRASIL ("Lei Eusébio de Queiroz") : Lei no. 581
Nota 4 – Constituição da República de 1934, Capítulo II, Título IV Artigo 138-b . Eugenia é um termo criado por Francis Galton (1822-1911), que a definiu como “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente.”
Em 1931 foi criado o Comitê Central de Eugenismo, presidido por Renato Kehl e Belisário Penna. Propunha o fim da emigração de não-brancos, e "prestigiar e auxiliar as iniciativas científicas ou humanitárias de caráter eugenista que sejam dignas de consideração". Higienismo e eugenismo se confundem, no Brasil.Um dos objetivos do comitê era a “luta pelo aperfeiçoamento eugênico do povo brasileiro” .- (Fonte : www.wikipédia.org)
Nota 5 - Lenda : Tradição popular . Narrativa, história fabulosa ou misteriosa .
Nota 6 - Crime Omissivo é aquele em que o agente comete o crime ao deixar de fazer alguma coisa.
Os crimes omissivos se subdividem em:
· a) Omissivos próprios ou puros – são os que perfazem pela simples abstenção independentemente de um resultado posterior.
· b) Omissivos impróprios – são aqueles os quais o agente por uma omissão inicial da causa a um resultado que ele tinha dever jurídico de evitar.
Exemplo: a mãe que tinha dever jurídico de alimentar seu filho deixa de fazê-lo, provocando a morte da criança. Respondendo nesse caso por delito de homicídio. ( Fonte : www.wikipédia.org)
Notas de 7 a 9 - Dr. Kabengele Munanga – Aula Inaugural - Curso de Pós-Graduação em Estudos Culturais e Históricos da Diáspora e Civilização Africana
Funemac , Macaé – Maio de 2007 .

Jorge Luís Rodrigues dos Santos
Graduado em Letras, Especialista em Estudos Afro-Diaspóricos, Pós-graduando em Gestão Escolar (Orientação Educacional). Professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro. Tutor do Curso Educação para as Relações Étnico-Raciais, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, Programa de Educação Sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB), Pólo UAB Rio das Ostras.

quarta-feira, 24 de março de 2010

LEI 11.645, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. OBRIGATORIEDADE DA TEMÁTICA”HISTÓRIA E CULTURA “AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA”.

“A lei 11.645 estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática: “História e Cultura Afro- Brasileira e Indígena. “

Mas o que é cultura?  O significado mais comum diz respeito às informações e ao conhecimento que uma pessoa tem sobre diversas áreas da literatura, pintura, coisas ligadas à criação artística, à filosofia, ao saber de forma geral.
  Sendo assim, essa lei vem ao encontro da necessidade de se resgatar e de se manter as culturas africanas e indígenas, protegidas da ação do tempo e das sociedades, levando o conhecimento dessas etnias aos alunos em sala de aula.
 É inegável a colaboração e a herança cultural deixada pelos negros, índios e seus descendentes. Somos hoje o produto desta miscigenação.
 Mas é importante ressaltar que, embora sejamos produto de diferentes etnias, vigora em nossa cultura o preconceito e a discriminação, encravados na sociedade brasileira  desde os primórdios do descobrimento.   

(...) “Oh! Quem foi das entranhas das águas,
O marinho arcabouço arrancar?
Nossas terras demandam, fareja...
Esse monstro... o que vem cá  buscar?(...)
                  
Vem trazer-vos algemas pesadas,
Com que tribo tupi vai gemer;
Hão de os velhos servirem de escravos,
Mesmo Piaga inda escravo há de ser. [1]
                     

      Num país de paisagens belíssimas, exóticas, o que chamou mais a atenção dos navegantes que aqui chegaram foram com certeza  os seres que andavam seminus, falando palavras incompreensíveis,  portando armas feitas de madeira, descalços e usando enfeites pelo corpo.

 Índios de várias tribos, os verdadeiros donos desta terra.
  A estes foram impostos o subjugo e muitas dessas tribos acabaram por ser dizimadas ou tiveram suas culturas violentadas pela intolerância europeia. 
     Havia no país por volta do descobrimento  cerda de 450 mil [2]  índios divididos em várias tribos, distribuídas por  todo o litoral brasileiro.

 “O Brasil nasceu à sombra da cruz. A colonização das almas indígenas, não se deu apenas porque o nativo era potencial força de trabalho a ser explorada, mas, também, porque os índios não tinham “conhecimento” do seu Criador e as coisas do Céu.” [3]

  No princípio da colonização, os europeus chegaram a afirmar que os índios não eram seres humanos, não possuíam alma ou inteligência, reforçando suas teses com partes citadas da Bíblia. Contudo, o Papa Paulo III, por motivações políticas, devido à perda de fiéis para o movimento da Reforma Protestante na Europa, afirma, na bula Universis Christi Fidelibus, de 1536, que os indígenas eram sim verdadeiramente homens e assim sendo, constituíam seres racionais e aptos a serem convertidos ao catolicismo (os negros não foram de igual modo tratado, a estes o Papa não resguardou a condição de seres humanos, e assim se construiu o mito da coisificação do negro). Isso foi fundamental para dar uma característica de missão à presença de homens da Igreja na América.
  Os primeiros religiosos a desembarcarem entre nós foram oito franciscanos, membros de importante ordem estabelecida há tempos em Portugal. Sua presença como capelães de bordo na navegação portuguesa era comum, mas não tinham prática na colonização dos gentios.
 Assim, chega ao Brasil, em 1549, o primeiro grupo composto de seis missionários da recém fundada Companhia de Jesus, lideradas por Manoel da Nóbrega. Sua primeira providência foi organizar uma escola, onde os índios, juntamente com órfãos portugueses, moços perdidos, ladrões e maus eram doutrinados. Muitos deles teriam um papel relevante, embora anônimo, nos projetos da Companhia. Cabia-lhes aprender o tupi-guarani, tendo como tarefa a conversão de crianças nativas.
 A Igreja ( não só o catolicismo, como também protestantes e judeus)  muito colaborou para a perda da identidade cultural das culturas indígenas e africanas.
Tentou de forma didática e, muitas vezes, opressora, modificar os hábitos do cotidiano, na alimentação, no vestir, nos cultos, na língua e até mesmo os jogos e  nas brincadeiras infantis. Tudo tinha função cristianizadora.
 Com isso, o índio perdeu muito de sua genuína formação cultural. Poucos nos dias de hoje ainda resistem, tentando manter uma tradição, que vem sendo por séculos violados pela intolerância humana.
      Com os africanos não foi muito diferente.
A chegada de navios negreiros ao Brasil, por volta do século XVI, trouxe não somente uma mão de obra necessária para se movimentar a economia da colônia, mas também um novo elo na formação cultural do mesmo.
      Chegaram aqui em navios, amontoados como cargas. Foram sequestrados de suas tribos, de suas famílias e trazidos para uma terra desconhecida.
      O poeta dos escravos, Castro Alves, retrata com primazia o horror e a covardia desse ato em seu conhecido poema O Navio Negreiro:
       
“Existe um povo que a bandeira empresta
Pra cobrir tanta infâmia e covardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
  
    Os escravos que chegavam ao Brasil eram embarcados em alguns portos africanos, como Luanda, Benguela e Cabinda, na costa de Angola; Ajudá e Lagos na Costa de Mina, e, mais tarde, do porto de Moçambique.
              
“Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... , estalar de açoites...
Legiões de homens negros como a noite
Horrendos a dançar...” [4]

 Depois dos horrores vividos na travessia do Atlântico, amontoados em porões imundos, comendo e bebendo o mínimo necessário à sobrevivência, vendo companheiros de viagem morrer em razão de doenças e maus–tratos, os africanos eram levados a galpões e mercados nos quais eram expostos à venda.
       Antes, porém, eram tratados de suas doenças, recebiam comida  para que tivessem uma melhor aparência. [5]
   Em Macaé, (Estado do Rio de Janeiro, Brasil) alguns trabalhos estão sendo colocados, na busca da recuperação da cultura africana, vale à pena ressaltar entre outros, o trabalho sério e dedicado do mestre Dengo na Associação de Capoeira Raízes de Aruanda, projeto ginga educativa. Atuando em comunidades carentes, ele já formou discípulos no ensino da capoeira.
A capoeira não deve ser considerada simplesmente como um jogo ou dança, ela é muito mais. A inclusão ultrapassa os limites do resgate da auto-estima ou da história de um povo, alcança a interdisciplinaridade. Pessoas, através da capoeira,  vencem seus limites  e suas deficiências físicas.
                Mestre Dengo atua no resgate da vida.
Trazendo para sala de aula a verdadeira História da colonização do Brasil, desconstruiremos toda essa falsa imagem criada em torno dos índios e negros.
          Mostrando suas culturas e de como elas estão misturadas aos nossos hábitos do dia a dia, estaremos mostrando o quanto somos mestiços no comportamento e assim sanando um pouco da dívida que temos com esses povos.
Seja no físico, na culinária, na religião, na língua, nas artes, na moda, o povo brasileiro tem seus traços marcados pelas etnias que compuseram sua formação e temos que ensinar as futuras gerações a conviverem, aceitarem e resgatarem isso com muito orgulho. .

  1. DIAS, Antonio Gonçalves - O Canto do Piaga.
  2. BUENO, Eduardo - Brasil, uma História; A incrível saga de um país. cap. 1. pág. 19.
  3. DEL PRIORE, Mary - O Livro de Ouro da História do Brasil. Cap. 3 . Pág. 36.
  4. ALVES, Antônio Castro - O Navio Negreiro.
  5. SOUZA, Marina de Mello - África e Brasil Africano.
 Ivana Matos Pinheiro Tavares
Graduando em História
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé

sexta-feira, 19 de março de 2010

A FILOSOFIA BRASILEIRA NO PERÍODO COLONIAL E AO LONGO DO SÉCULO XIX

A meditação filosófica brasileira durante o período colonial caracteriza-se pela sua inspiração nos temas tratados pela Segunda Escolástica portuguesa. O ponto central desta consistia na defesa da ortodoxia católica, a partir das disposições adotadas no Concílio de Trento (1545-1563) como reação contra a reforma protestante. A máxima expressão desse esforço foi a Ratio Studiorum, sistematizada definitivamente em 1599, e que consistia num estrito regulamento que pautava as atividades acadêmicas da Companhia de Jesus em Portugal e na Espanha. Tal regulamento disciplinou o ensino no Colégio das Artes de Coimbra, na Universidade de Evora e nas demais escolas jesuíticas, que praticamente monopolizavam os estudos secundários em Portugal.
Dois aspectos típicos da Ratio Studiorum eram a subordinação do ensino superior à teologia e o dogmatismo, que se alicerçava na procura de uma ortodoxia definida pelos próprios jesuítas e que conduzia a expurgar os textos dos autores, inclusive os do próprio São Tomás de Aquino. Como acertadamente destacou Antônio José Saraiva [1955: 229-230], "Não é necessário colocar em evidência o caráter dogmático desse ensino, perfeitamente coerente com o sistema no qual se integra. O ensino da filosofia não visava a desenvolver a capacidade crítica do aluno, mas a incutir nele uma determinada doutrina, a prevenir os possíveis desvios em relação a ela e a prepará-lo para defendê-la".
O ambiente cultural ensejado em Portugal pela Ratio Studiorum não favoreceu a abertura às filosofias modernas formuladas na Europa durante os séculos XVI e XVII. Conseqüentemente, a meditação filosófica colonial correspondeu, no Brasil, à corrente chamada por Luís Washington Vita de "saber de salvação", cujos principais representantes foram Manuel da Nóbrega, Gomes Carneiro, Nuno Marques Pereira e Souza Nunes. Desse conjunto destaca-se a obra de Marques Pereira (1652-1735) intitulada Compêndio narrativo do peregrino da América [Pereira, 1939], que foi editada sucessivamente em 1728, 1731, 1752, 1760 e 1765. A obra respondia à problemática típica da espiritualidade monástica, centrada na idéia de que o homem não foi criado por Deus para esta vida, destacando-se, em conseqüência, o caráter negativo da corporeidade e das tarefas terrenas.
Na segunda metade do século XVIII, consolidou-se em Portugal a corrente do empirismo mitigado, que se caracterizava por uma forte crítica à Segunda Escolástica e ao papel monopolizador que exerciam os jesuítas no ensino, bem como pela tentativa de formular uma noção de filosofia que se reduzisse à ciência aplicada. Duas obras serviram de base a essa nova corrente: Instituições lógicas do italiano Antonio Genovesi (1713-1769) [1937] e o Verdadeiro método de estudar, do sacerdote oratoriano português Luís Antônio Verney (1713-1792) [1950]. O empirismo mitigado foi formulado e se desenvolveu no contexto mais amplo das reformas educacionais do marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), que pretendiam incorporar a ciência aplicada ao esforço de modernização despótica do Estado português. Contudo, ao responder a uma problemática formulada a partir das necessidades do Estado patrimonial e não a partir de uma perspectiva que tivesse como centro o homem, o empirismo mitigado não conseguiu dar uma resposta satisfatória aos problemas da consciência e da liberdade.
O empirismo mitigado inspirou, no entanto, a importantes segmentos da intelligentsia brasileira, a partir da mudança da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808. A geração de homens públicos que organizou as primeiras instituições de ensino superior era de formação cientificista-pombalina. Entre eles, cabe destacar a figura de dom Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812), conde de Linhares, quem em 1810 organizou a Real Academia Militar do Rio de Janeiro.
O esforço em prol da superação do empirismo mitigado coube a Silvestre Pinheiro Ferreira (1769-1846). Inspirado na filosofia de Leibniz (1646-1716) e, de outro lado, na lógica aristotélica e no empirismo lockeano, o pensador português, quem foi ministro da corte de dom João VI no Brasil, formulou um amplo sistema que abarcava três partes: a teoria do discurso e da linguagem, o saber do homem e o sistema do mundo. A sua mais importante contribuição ao pensamento brasileiro consistiu na tentativa de superação da filosofia até então vigente; a sua proposta teórica foi sistematizada principalmente nas Preleções filosóficas [Ferreira, 1970] e na formulação do liberalismo político e das bases do sistema representativo, no Manual do cidadão num governo representativo [In: Ferreira, 1976]. Graças à sua valiosa colaboração teórica, o Império brasileiro conseguiu superar os problemas do liberalismo radical e deitou as bases para a prática parlamentar. No entanto, a sua meditação não conseguiu formular de maneira completa uma explicação filosófica para o problema da liberdade.
Os temas da consciência e da liberdade ocuparam o foco do debate filosófico que se efetivou no Brasil ao longo do século XIX. A partir das bases colocadas pela meditação de Silvestre Pinheiro Ferreira, os pensadores ecléticos procuraram dar uma resposta de caráter espiritualista à problemática do homem. Sem dúvida que os filósofos brasileiros deste período inspiraram-se no ecletismo espiritualista francês formulado por Maine de Biran (1766-1824) e divulgado por Victor Cousin (1792-1867), que permitiu superar o extremado sensismo de Condillac (1715-1780). Mas o pensamento dos primeiros reveste-se da originalidade que tinham as circunstâncias históricas do Brasil no século XIX, relacionadas com o problema da construção do sentimento de nação e com a organização do Estado.
As duas figuras mais representativas do ecletismo brasileiro são Eduardo Ferreira França (1809-1857) e Domingos Gonçalves de Magalhães (1811-1882). A obra do primeiro caracteriza-se por buscar uma fundamentação filosófica para o exercício da liberdade política. Apesar de ter formulado uma visão determinista do homem nos seus primeiros escritos, o seu pensamento evolui até uma concepção espiritualista na obra fundamental intitulada Investigações de psicologia [França, 1973], publicada em Paris em 1854. Sem abandonar a perspectiva empirista que tinha adotado desde o início da sua meditação filosófica, Ferreira França, graças à influência de Maine de Biran, consegue desenvolver o tema da introspeção, que lhe permitirá chegar, com o rigor da observação empírica, à constatação da existência do espírito. Na sua meditação, Ferreira França dará especial ênfase ao tema da vontade, a qual é concebida como o elemento capitalizador dos diversos poderes de que está dotado o homem, cabendo-lhe a função primordial de constituí-lo como pessoa.
Gonçalves de Magalhães expôs o seu pensamento filosófico na obra intitulada Fatos do espírito humano [Magalhães, 1865], publicada em Paris em 1859. O problema ao qual respondeu a filosofia do maior pensador romântico do Brasil foi o da construção da idéia de nação. Isso fez com que a obra de Magalhães, como destaca o seu mais importante estudioso, Roque Spencer Maciel de Barros [1973], se formulasse no contexto de uma proposta pedagógica. Magalhães baseia a sua visão da liberdade e da moral numa análise filosófica inspirada em Victor Cousin e parcialmente em Malebranche (1638-1715) e Berkeley (1685-1753); formula uma explicação do homem em termos puramente espiritualistas, que negam qualquer valor substancial ao mundo material, inclusive ao próprio corpo, já que o universo sensível só existe intelectualmente em Deus, como pensamentos seus. O homem, preso ao corpo, é livre por ser espírito e adquire a conotação de ente moral justamente em virtude dessa "resistência do corpo". A moral de Magalhães, como a de Cousin, é uma moral do dever que valoriza a intenção do autor e não o resultado do ato. A inspiração romântica dessa filosofia aparece na importância conferida por Magalhães ao fator religioso como motor da nacionalidade, bem como no papel desempenhado pela poesia enquanto educadora do povo (ele foi o mais importante representante do romantismo literário no Brasil). Dessa forma, Magalhães desempenha, no contexto brasileiro, um papel semelhante ao representado em Portugal pelo primeiro romântico luso, Alexandre Herculano (1810-1877).
Outras figuras de menor imporância na corrente eclética brasileira foram Salustiano José Pedrosa (falecido em 1858) e Antônio Pedro de Figueiredo (1814-1859), quem traduziu ao português o Curso de história da filosofia moderna de Victor Cousin. O ocaso da corrente eclética dá-se ao longo do período de 1880 a 1900, em decorrência do fenômeno cultural denominado por Sílvio Romero (1851-1914) de "surto de idéias novas", e que se caracterizou pela entrada, nos meios acadêmicos, de filosofias contrárias ao espiritualismo eclético, como o darwinismo, o determinismo monista e o positivismo.
Sem dúvida alguma que, entre as correntes filosóficas em ascensão nas últimas décadas do século XIX, o positivismo foi a que mais repercussão teve no seio do pensamento brasileiro. A razão fundamental desse fato radica na pré-existente tradição cientificista que se iniciou com as reformas pombalinas, à luz das quais estruturou-se todo o sistema de ensino superior, em bases que privilegiavam a ciência aplicada e a instrução estritamente profissional. Isso explica a tardia aparição da idéia de universidade (entendida como instância de cultura superior e de pesquisa básica), no contexto cultural brasileiro. Efetivamente, só a partir da década de 1920 ganharia corpo a idéia de universidade, como reação contra o positivismo reinante.
O positivismo teve no Brasil quatro manifestações diferentes: a ortodoxa, a ilustrada, a política e a militar. A corrente ortodoxa teve como principais representantes Miguel Lemos (1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927), os quais fundaram, em 1881, a Igreja Positivista Brasileira, com o propósito de fomentar o culto da "religião da humanidade", proposta por Comte (1798-1857), no seu Catecismo positivista.
A corrente ilustrada teve como principais representantes Luís Pereira Barreto (1840-1923), Alberto Sales (1857-1904), Pedro Lessa (1859-1921), Paulo Egydio (1842-1905) e Ivan Lins (1904-1975). Esta corrente defendia o plano proposto por Comte na primeira parte da sua obra, até 1845, antes de formular a sua "religião da humanidade", e que poderia ser sintetizado assim: o positivismo constitui a última etapa (científica) da evolução do espírito humano, que já passou pelas etapas teológica e metafísica e que deve ser educado na ciência positiva, a fim de que surja, a partir desse esforço pedagógico, a verdadeira ordem social, que foi alterada pelas revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII.
A corrente política do positivismo teve como maior expoente Júlio de Castilhos (1860-1903) [cf. Vélez, 1980], quem em 1891 redigiu a Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que entrou em vigor nesse mesmo ano. Segundo essa carta, as funções legislativas passavam às mãos do poder executivo, sendo os outros dois poderes públicos (legislativo e judiciário) tributários do executivo hipertrofiado. Para Castilhos, deveria se inverter o dogma comteano de que à educação moralizadora seguiria pacificamente a ordem social e política. O Estado forte deveria, ao contrário, impor coercitivamente a ordem social e política, para depois educar compulsoriamente o cidadão na nova mentalidade, ilustrada pela ciência positiva. Esta corrente ganhou maior repercussão do que as outras três, devido a que obedeceu à tendência cientificista de que já se tinha impregnado o modelo modernizador do Estado consolidado pelo marquês de Pombal. Assim, as reformas autoritárias de tipo modernizador que o Brasil iria experimentar ao longo do século XX, deram continuidade à mentalidade castilhista do Estado forte e tecnocrático. Este modelo consolidou-se na obra de um seguidor de Castilhos: Getúlio Vargas (1883-1954), como será detalhado mais adiante. Aconteceu com o castilhismo algo semelhante ao ocorrido no México com o porfirismo: ambas as doutrinas cooptaram a filosofia positivista como ideologia estatizante e reformista.
A corrente militar positivista teve como principal representante Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891), professor da Academia Militar e um dos chefes do movimento castrense que derrubou a monarquia em 1889. Esta corrente estruturou-se paralelamente à ilustrada, projetando ao longo das últimas décadas do século XIX o ideário cientificista pombalino, conforme destacou Antônio Paim [1980: 259]: "A adesão às doutrinas de Comte por parte dos líderes da Academia Militar, deu-se no estreito limite em que contribuiu para desenvolver as premissas do ideário pombalino, quer dizer, a crença na possibilidade da moral e da política científicas. Para comprová-lo, basta comparar as funções às que Comte destinava as forças armadas e o papel que Benjamin Constant atribui ao Exército".
A filosofia positivista foi vigorosamente criticada pela corrente denominada de "Escola do Recife" [cf. Paim, 1966]. O fundador e mais destacado representante dessa corrente de pensamento foi Tobias Barreto (1839-1889). Outras figuras dignas de menção são Sílvio Romero (1851-1914), Clóvis Beviláqua (1859-1944), Artur Orlando (1858-1916), Martins Júnior (1860-1909), Faelante da Câmara (1862-1904), Fausto Cardoso (1864-1906), Tito Livio de Castro (1864-1890) e Graça Aranha (1868-1931).
Os pensadores da "Escola do Recife" protagonizaram uma clara reação contra as duas formas de pensamento que dominavam o panorama filosófico nacional nas últimas décadas do século XIX: o ecletismo espiritualista e o positivismo. Apesar de que no início os seus principais expoentes tivessem tomado elementos do monismo de Haeckel (1834-1919) e da própria filosofia comteana, muito cedo superaram esses limitados pontos de vista para se abrirem às idéias que garantiriam a tematização da cultura, no contexto do neo-kantismo. Esse esforço teórico foi iniciado por Tobias Barreto e coroado por Artur Orlando. Rosa Mendonça de Brito [1980: 33] sintetizou assim a contribuição deste último: "A sua filosofia é uma meditação sobre as ciências e a crítica ou teoria do conhecimento. Esta é a parte da filosofia que lhe dá um objeto próprio, capaz de justificar-lhe a existência, representando, pois, o núcleo central do pensamento filosófico moderno e contemporâneo. A teoria do real e do ideal -- saber o que o nosso conhecimento possui de objetivo e de subjetivo -- é o seu problema fundamental".
A "Escola do Recife" foi, no contexto do pensamento filosófico brasileiro do século XIX, a mais clara manifestação da perspectiva transcendental kantiana, ao entender -- com Tobias Barreto e Artur Orlando -- a filosofia como epistemologia. Esses pensadores, sem dúvida, deitaram as bases para o ingresso e a discussão, no meio brasileiro, das idéias provenientes do neo-kantismo, nas primeiras décadas do século XX.
De outro lado, ao buscar uma fundamentação de tipo transcendental não só para o conhecimento, mas também para a ação humana, a "Escola do Recife", especialmente através da meditação dos dois autores mencionados anteriormente, desaguou na concepção da cultura como dimensão específica do humano, que se contrapõe ao mundo da natureza. Segundo o fundador da "Escola do Recife": "(...) a sociedade, que é o grande aparato da cultura humana, deixa-se figurar através da imagem de um emaranhado imenso de relações sinérgicas; é um sistema de regras, é uma rede de normas, que se não limitam ao mundo da ação, chegando até os domínios do pensamento. Moral, direito, gramática, lógica, civilidade, cortesia, etiqueta, etc., são outros tantos corpos de doutrina que têm de comum entre si o caráter normativo (...). E tudo isso é obra da cultura em luta com a natureza (...), luta na qual o direito é o fio vermelho e a moral o fio de ouro, que atravessam todo o tecido das relações sociais. Um direito natural possui tanto sentido quanto uma moral natural, uma gramática natural, uma ortografia natural, uma civilidade natural, pois todas essas normas são efeitos, invenções culturais" [Tobias Barreto, 1966: 331-332].
A "Escola do Recife", ao mesmo tempo que permitiu fazer uma crítica de fundo ao determinismo positivista, que ancorava na submissão naturista da liberdade e da consciência, reduzindo-as a efeitos da "física social", deitou também as bases para a corrente de pensamento que no século XX revelar-se-ia mais vital no contexto da meditação filosófica brasileira: o culturalismo.
Apesar de que a "Escola do Recife" foi a mais importante herdeira do kantismo ao longo do século XIX, não podemos ignorar o papel pioneiro que representaram os Cadernos de Filosofia [Feijó, 1967] do padre Diogo Antônio Feijó (1784-1843), que sintetizam o magistério do regente do Império (1835-1837). Neles, encontramos viva a presença de Kant (1724-1804), tanto no que se refere à forma em que Feijó entende a razão humana, quanto no que diz relação ao exercício da liberdade. As seguintes palavras, que ilustram a idéia que o padre paulista tinha acerca da meditação filosófica, partem do pressuposto da "revolução copernicana" do filósofo de Königsberg, de enxergar a problemática do conhecimento sob uma perspectiva estritamente humana e transcendental: "Sendo o homem -- afirma Feijó em seus Cadernos -- a única substância conhecida por ele, é claro que toda ciência para ser verdadeira e não fenomenal, quer dizer, para ter um valor real em si, deve fundamentar-se no mesmo homem. É nas suas leis onde residem os princípios originais e primitivos de toda a ciência humana".
A meditação filosófica brasileira do século XIX não seria alheia à influência do krausismo. Miguel Reale destaca que o pensamento de Krause (1781-1832), apesar de ter entrado indiretamente no panorama brasileiro por intermédio do jurista português Vicente Ferrer Neto Paiva (1798-1886) e dos krausistas Ahrens (1808-1874) e Tiberghien (1819-1901), teve ampla repercussão na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Os principais representantes dessa tendência foram Galvão Bueno (1834-1883) e João Theodoro Xavier (1820-1878), cuja obra Teoria transcendental do direito (1876), segundo Reale, "compendia os princípios fundamentais do racionalismo harmônico de Krause, com freqüentes referências à doutrina de Kant". João Theodoro tentou superar o individualismo da concepção kantiana do direito, numa visão que desse lugar essencial ao papel social do mesmo, sendo assim um dos precursores do chamado "direito social", ou "direito trabalhista" no Brasil.
Uma corrente de filosofia política bastante cultuada durante o Império foi o denominado liberalismo doutrinário. O pensamento de autores como François Guizot (1787-1874), Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830), Royer-Collard (1763-1843), etc., exerceu bastante influência na consolidação do sistema representativo. Os pensadores brasileiros que mais diretamente receberam essa influência foram Paulino Soares de Souza, visconde de Uruguai (1807-1866) e o publicista Pimenta Bueno (1803-1878). A visão liberal-conservadora legada pelos doutrinários sofreria, em terras brasileiras, uma análise crítica do ponto de vista do liberalismo democrático de Alexis de Tocqueville (1805-1859). Tavares Bastos (1839-1875) e José de Alencar (1829-1877) foram os pensadores que melhor realizaram essa revisão crítica, que serviu de bandeira ao Partido Liberal, notadamente ao longo das décadas de 1860 e 1870 [cf. Vélez, 1997a e 1997b].
Como reação ao pensamento liberal, o tradicionalismo teve bastante divulgação ao longo do século passado. Podemos citar, como representantes importantes dessa tendência, dom Romualdo Seixas (1787-1860), quem foi arcebispo de Salvador-Bahia e recebeu do Imperador o título de Marquês de Santa Cruz, e José Soriano de Souza (1833-1895).
Apesar de terem recebido a influência dos tradicionalistas franceses Joseph de Maistre (1753-1821) e Louis de Bonald (1754-1840), os brasileiros mostraram-se muito mais tolerantes do que aqueles e do que os portugueses. Ubiratan Macedo [1981: 19] sintetizou assim o núcleo da filosofia tradicionalista brasileira: "Pode-se afirmar que os tradicionalistas brasileiros no século XIX tinham consciência clara de um conjunto de teses filosóficas, religiosas e de caráter social, ao redor das quais desenvolveram ensaios de certa magnitude. Tais teses consistiam no menosprezo pelo racionalismo e o liberalismo; na defesa da monarquia legítima; no empenho em prol da união da Igreja e do Estado e em prol da proscrição do matrimônio civil; na luta em defesa da liberdade de imprensa e de pensamento, em nome do direito à verdade. Passando ao nível político (...) e excetuando a preferência pela monarquia, não se observa maior claridade nas opções. A monarquia constitucional vigente era francamente tolerada, assim como o regalismo (...).E quanto a ter uma atenção política estruturada, como pretendia Soriano de Souza, esta não chegou a ser considerada. O grupo, apesar de ativo, era francamente minoritário e nunca teve maior proximidade com o poder".

Ricardo Vélez Rodríguez
Professor Associado da UFJF
Membro da Academia Brasileira de Filosofia
rive2001@gmail.com

quinta-feira, 18 de março de 2010

CLARICE, SEMPRE CLARICE LISPECTOR

Escrever é abalar o sentido do mundo.
Roland Barthes

Passados 33 anos (1977-2010) da morte da escritora Clarice Lispector, sua poética continua instigando indagações e vários efeitos de leitura. Caleidoscópido de imagens, seus textos são conseqüências do imaginário que sobre eles imprimi suas formas. Nesse jogo, sem entradas  ou saídas, mas em redemoinhos constantes pelos efeitos das cores, suas ficções passam a ser uma tessitura imagética e fugidia.
Não se dirigem a determinar a situação de certos seres, por conta do viés camaleônico que assumem, mas vivem a procura da real condição humana. A característica real de seus textos é viver mesmo no rastro do eterno sentido em busca de significação já que “a função da escritura é colocar a máscara e, ao mesmo tempo, apontá-la”. (BARTHES, 1972, p.28)
 A partir de fatos e personagens, ou pequenos “flashes” epifânicos, em qualquer momento não previsto ou hora inesperada, tece como um registro verbal a realidade semiótica, que pode aparentar-se com alguns mecanismos da sensível escritura barthesiana - sempre aos “Fragments d’um discours amoureux” ou ao “Plaisir du Texte”. Um lugar enfeitiçado e um “presente perpétuo” dos textos “escrevíveis”.
Como texto escrevível, segundo Lucia Helena (1997, p.86) os romances clariceano se caracterizam “por rupturas e colisões” - “já que não se baseiam no estado canônico da língua, nem da narração, tal como fixados pela escola ou pela tradição”.
Sua poética, tecida e incrustada na cidade e no tempo presente, revela a angustia do mundo contemporâneo e a solidão humana. Isto contribui para transformar sua escritura em pequenos fragmentos da vida urbana.
Querendo ou não, suas narrativas tratam-se do reencontro do texto com o sujeito: este, antes eliminado pela semiologia, ressurge agora em fragmentos, em marcas do imaginário, como o eu que encena e se representa. O corpo sob a câmera, representa agora o conflito dramático em momentos da existência, vive preso em pequenas cenas fotográficas - recordações, percepções, aparências fugidias - fotos envelhecidas ou signos da dor vivida participantes da estratégia escritural.
Seus personagens, não permitem, ao olhar semiológico, os contornos de um retrato acabado. Apenas deixam sentir as pulsações do desejo de encontrá-lo. E quando esse encontro se dá, os olhos, embebidos de feixes de luzes que surgem de lados diversos, imaginam fantasmas, esculpem um rosto etéreo. Imagens deslocadas, embora vingadas na escolha singela (das Anas e Macabéias), fortalecidas pela sondagem poética e visceral.
A autora delega sua voz às personagens que passeiam por jardins ou cenas do Rio de Janeiro, assumindo uma posição de distanciamento em relação ao objeto criado, ainda que presente neles com sensíveis retinas. O sujeito, através desses corpos à deriva pelas cidades, ao mesmo tempo presente e ausente, se dilui nos sujeitos que produz. Com eles, textos e discursos surgem e desaparecem na cena da intertextualidade ou da metalinguagem.
Seu estilo assume na escritura a tonalidade psicológica e faz dele a manifestação do talento ou do gênio pessoal. Esta concepção goza de grande aceitação através da definição de Barthes, para quem o estilo é a expressão do “eu” profundo do autor, oposto à escritura ou à relação com a sociedade, linguagem literária transformada pelo seu destino social. “ O estilo é, na sua essência (...) a transmutação de um humor... mergulha nas recordações veladas da pessoa, compõe a sua espacidade a partir de uma certa experiência da matéria. O estilo não é senão metáfora, isto é, equação entre a intenção literária e a estrutura canal do autor. Por isso o estilo é sempre um segredo”. ( BARTHES, 1972, p.12-13)
Seus textos, ao olhar semiológico, buscam a “linguagem zero”, é sempre desvio, a palavra é sentida como tal e não como simples substituto do objeto nomeado. O seu objeto situa-se num mais além da obra. A esse olhar movente e derradeiro, acrescenta-se um não escrito, a leitura, por isso “ler a obra é desejá-la em si mesmo”, segundo Barthes.
Em vista disso, a leitura se define exatamente pelo desejo de escrever do escritor e num desejo comum e sobretudo numa mesma espécie de produção em palimpsesto e à deriva. “ Um texto que tenta verdadeiramente inscrever nele o corpo do escritor, juntar se ao corpo do leitor, e estabelecer uma espécie de relação amorosa entre esses dois corpos, que não correspondem a pessoas civis e morais, mas a figuras, a sujeitos desfigurados” (BARTHES, 1975, p.38). Um leitor poroso, uma obra porosa. Mas o leitor desconfiado e conhecedor de seu projeto escritural, pontua a escritura com instantes epifânicos, o que, por sua vez, propicia que ele participe, criando seus códigos próprios e sensíveis, aproximando-se do “sentido secreto” da criação da escritura.
O texto-leitura-escritura, nessa prática de eterna fruição (no sentido de Barthes) pratica “ o recuo infinito do significado, o Texto é dilatório; o seu campo é o do significante” (BARTHES, 1987, p.57), é sempre plural, “nunca totalmente clara; ela é, por assim dizer, sentido suspenso” (BARTHES, 1964, p.256). Escrever, no mundo ficcional clariceano, “é um verbo intransitivo, pelo menos no nosso uso singular, porque escrever é uma perversão.” (BARTHES, 1975, p32).
Em Clarice, as palavras, enquanto sistema de signos, não conseguem revelar totalmente o objeto que representam. Sempre é percebido o inominável, pois um signo, em sua escritura, não se refere a um objeto em si, mas a outros signos. A poética clariceana “procura romper com os limites do signo, necessitando, portanto, de um lugar especial que, como ela, esteja disposto a se construir ao longo da narrativa e ler de forma ilimitada. O leitor precisa ser sensível para participar da conversa com as personagens-narradoras e até com a própria autora, que é textualizada”. (VIEIRA, 1988, p.94).
Ler Clarice é o tempo inteiro procurar, indagar sobre a produtividade do texto, uma “certa forma de fraturar o mundo” (BARTHES, 1966, p.76). É ter a liberdade e consciência de buscar e produzir sentidos múltiplos e renováveis, que mudam a cada leitura. Ler não seria, então aplicar modelos virtuais do texto clariceano, mas uma prática ativada pela imaginação do leitor.
Seu texto mais íntimo, semelhante a “poiésis” barthesiana, é a desinfreada busca prazerosa pela escritura. Um exercício escritural que mora mesmo no ato de dizer das coisas, arraigado na enunciação. Uma poesia em pequeninos “flashes” revelativos, momentos mágicos e luminosos de sua textualidade. “ A escritura questiona o mundo, nunca oferece respostas; libera a significação, mas não fixa sentidos”. (PERRONE-MOISÉS, 1980, p.54). Ela é a “bruma na memória, e esta, memória imperfeita que é também amnésia imperfeita” (ROBBE-GRILLET, 1995, p21)
Esse labor escritural e clariceano, aos olhos de Barthes, é a escritura. Esse modo de dizer provém do mais íntimo e único de cada escritor: de seu corpo, de seu inconsciente, de sua história pessoal; é “o termo de uma metamorfose cega e obstinada, partida de uma infralinguagem que se elabora no limite da carne e do mundo”. (BARTHES, 1972, p.12)
 Assim, na sua escritura (poiésis), sua trama escritural quando nela ouvimos a voz única de um corpo é impossível não recebê-la como gozo – um gozo textual e barthesiano, sempre inanalizável e l’obtus , irrecuperável por qualquer metalinguagem ou leitura. O texto de gozo passa a ser o sentido como perda do sujeito pensante e ganho de uma nova percepção das coisas.
 Por tudo isso e muitos outros aspectos de seus textos, inclusive o silêncio agonizante dos personagens, não é possível darem-se exemplos de escritura dessa autora; tudo passa, fundamentalmente, pela questão de leitura ( da recepção do leitor). Entretanto, folheando A Hora da Estrela (1999) o leitor mesmo verá toda essa sensualidade, humor, crítica e fantasia - não pelo que diz, mas pelo jeito sublime de dizer. Pura estratégica semiótica, puro gesto simbólico da linguagem.
A prática escritural de de Clarice Lispector, segundo Nolasco (2001, p53) “é o simulacro mesmo do modo como a autora busca uma linguagem que jamis se diz, uma linguagem que lhe devolve o indizível: aquele silêncio que significa e que, por isso mesmo, jamais seria um fracasso”.
 Em Clarice, ainda que se perceba uma leve tendência para textos que busquem o olhar apolíneo ( o seu lado clássico) a sua tendência dionisíaca é visível ( seu lado sensual, anárquico). Semelhante ao Plaisir du Texte barthesiano, predomina em sua poética o gozo textual do corpo, o gozo sensual e pulsante dos signos, o mundo semiológico e transgressor que não se deixa capturar. O sentimento de “inexprimir o exprimível, retirar da língua do mundo, que é pobre e poderosa língua das paixões, uma outra fala, uma fala exata”. (BARTHES, 1964, p.15).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
 BARTHES, Roland. Le Plaisir du Texte. Paris: Seuil.1973
______. Roland Barthes par Roland Barthes. Paris: Seuil, 1975.
______. Fragments d’un discours amoureaux. Paris: Seiul, 1977.
______. S/Z. Paris: Seiul, 1970
 ______. L’obvie et l’obtus. Essais Critiques III. Paris: Seiul, 1982.
 ______. Critique et Vérité. Paris: Seiul, 1966.
 ______. Essais Critiques. Paris: Seiul, 1964.
 ______. Sobre Racine. Trad. Antonio C. Viana. Porto Alegre. L&PM, 1987.
 ______. O Rumor da Língua. Trad. António Gonçalves. Lisboa: Edições 70, 1987.
______. Le degré zéro de l’éscriture suivi de Nouveaux essais critiques. Paris: Seiul, 1972.
 ______, Para/ ou onde vai a Literatura. In: Escrever... Para quê? Para quem? Trad. Raquel Silva. Lisboa. Edições 70, 1975.
 HELENA, Lucia. Nem Musa, nem Medusa. Itinerários da escrita em Clarice Lispector. Niterói: EDUFF, 1997.
 LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1988.
 NOLASCO, Edgar Cézar. Clarice Lispector: nas entrelinhas da escritura. São Paulo: Annablume, 2001.
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Barthes: o saber com sabor. Brasiliense. São Paulo, 1983.
______. Texto, Crítica, Escritura. São Paulo. Ática, 1993.
 ROBBE-GRILLET, Alain. Por que amo Barthes. Trad. Silviano Santiago, Rio de Janeiro. Ed. UFRJ, 1995.
 SANTOS, Roberto C. dos. Clarice Lispector. São Paulo, Atual, 1986.
 VIEIRA, Telma Maria. Clarice Lispector: uma leitura instigante. São Paulo: Annablume, 1998.
 WALDMAN, Berta. Clarice Lispector: a paixão segundo C.L. São Paulo: Escuta, 1992.

Rodrigo da Costa Araujo (UFF/FAFIMA)
Professor da FAFIMA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé, Mestre em Ciência da Arte [UFF-2008] e Doutorando em Literatura Comparada, também, pela UFF.
E-mail: rodricoara@uol.com.br

quarta-feira, 17 de março de 2010

DOCUMENTO - VITAE PATRUM DE S. JERÓNIMO - ARQUIVO DISTRITAL DE LEIRIA - PORTUGAL

Em primeiro lugar gostaríamos de congratulá-los pelo vosso blog. Pela nossa parte e dada as escassez de recursos humanos informamos que só poderemos participar esporadicamente neste interessante trabalho.
 
Mas para dar início a esta colaboração enviamos a 1º página uma das preciosidades existentes neste Arquivo Distrital. Trata-se do livro denominado: "Vitae Patrum" um incunábulo (primeiras edições impressas) da autoria de S. Jerónimo, que trata da vida dos Padres da Igreja, em língua castelhana e em letra gótica. Foi impresso em Saragoça, por Pablo Hurus, em 1491, o tresladador e prefaciador foi Gonçalo Garcia de Santa Maria. Trata-se de um exemplar raríssimo, provavelmente único da Europa, que pertenceu à livraria da rainha D. Leonor (Dona Leonor de Portugal ou D. Leonor de Lancastre, nasceu 2 de Maio de 1458 e faleceu a 17 de Novembro de 1525).

Com os melhores cumprimentos,
Paula Cândido


para aumentar o documento, clique sobre ele:


Acácio Souza
Diretor do Arquivo Distrital de Leiria
Portugal 

terça-feira, 16 de março de 2010

UGANDA ESTUDA PENA DE MORTE PARA CASOS DE HOMOSSEXUALISMO

Um parlamentar de Uganda apresentou um projeto de lei que prevê a pena de morte para alguns tipos de práticas homossexuais.

Gays de Uganda dizem que são bastante discriminados
 
David Bahati, do partido governista, quer a pena capital para os que fizerem sexo com portadores de deficiência, menores de 18 anos ou quando o acusado é HIV positivo.
Analistas em Uganda acreditam que o projeto tem grandes chances de se tornar lei, já que, apesar de críticas da oposição, várias lideranças políticas do país, inclusive o presidente, expressam publicamente posições contrárias aos gays.
Grupos de defesa dos direitos dos homossexuais em Uganda calculam que existam cerca de 500 mil pessoas com essa orientação sexual no país, que conta com uma população de 31 milhões de pessoas. 

Endurecimento
No país africano, o homossexualismo já é crime, punido com grandes multas e com prisão perpétua.
A proposta atual é de endurecer ainda mais as leis existentes. Se aprovada, a definição de homossexualismo será ampliada e o ato de promover a prática passa a ser punível com multa ou prisão.
Mas correspondentes dizem que é difícil condenar alguém por homossexualismo em Uganda devido à falta de evidências.
Muitos que se declaram publicamente gays não foram levados à justiça, já que admitir a preferência sexual não é considerado um crime.

CONSCIÊNCIA NEGRA E O PRECONCEITO NO BRASIL

http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/c/c4/Rosaparks.jpg/200px-Rosaparks.jpg
1- Rosa Parks, com Martin Luther King-1955 2- Lyndon B. Johnson e Martin Luther King Jr-1964 3- Presidente Barack Obama-2008
“ Rosa Parks se sentou para que Martin Luther King pudesse andar . Martin Luther King andou para que Obama pudesse correr. Obama está correndo para que nós possamos voar . Eu mal posso esperar pelo dia 5 de novembro para dizer “ olá, irmão presidente “ . “ ( Jay-Z, rapper americano ).
( Jornal O Globo, 4 de novembro de 2008, pg. 35 )

No dia 20 de novembro comemora-se no Brasil ( dos 5.561 municípios brasileiros, 269 adotaram o dia 20 de novembro como feriado, segundo levantamento da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial ) o Dia da Consciência Negra. Consciência(1) que ainda inexiste na maioria de nossa sociedade, considerando a não adoção da data na maioria dos municípios brasileiros, o que e demonstra a persistência do racismo(2) e da discriminação(3) no Brasil .
A necessidade de refletir sobre a temática racial, o que inclusive motivou a adoção de leis ( como a 10.639/03 e 11.645/08 ) que visam eliminar o racismo e o preconceito(4) através de medidas educativas, ainda incomodam grande parte da sociedade brasileira, que considera o Brasil uma “democracia racial” (o que é desmentido através de estudos e relatórios de diversos pesquisadores e entidades públicas governamentais e privadas, que demonstram a desigualdade social como fruto do racismo e do preconceito racial) .
Porém é necessário não somente a discussão e a tomada de consciência (conhecimento) sobre o negro, sua história, seu valor e contribuição na construção de nossa sociedade, sobre a eliminação do racismo e do preconceito racial, mas também a adoção de políticas de ação afirmativa para compensar as conseqüências da discriminação da população negra no Brasil. E para tanto, os EUA são um bom exemplo para o Brasil ( apesar de ser alardeado por uma minoria que declara-se anti-racista” que não pode-se comparar a experiência americana com a realidade brasileira ).
Foi a partir da tomada de posição, fruto de lutas e ações não apenas da comunidade negra, mas também das diversas esferas ( principalmente a governamental ) que a sociedade americana pôde experimentar uma mudança em busca da igualdade plena de seus cidadãos . Igualdade que culmina com a eleição do 1º. presidente negro dos EUA. Eleição que é fruto de um ato de coragem de um presidente branco ( Lyndon Johnson ) que consciente da necessidade de construir no seu país uma sociedade igualitária e justa, ousou contrariar as conveniências políticas e assinou em 1964 o Ato pelos Direitos Civis . Podemos ver o fruto desta iniciativa 44 anos depois, quando o 44º. Presidente eleito nos EUA é um beneficiado por este ato ( Barack Obama ), um afro-americano .
E quando será que em nosso país teremos uma plena tomada de consciência e um início de ações práticas que nos conduzam a um novo momento social, e que também se traduza em igualdade de condições e de oportunidades ? De ver no Brasil “O sonho americano“ de Martin Luther King, as lutas dos diversos líderes negros e a coragem da sociedade americana em vencer o racismo e tornar o país na realidade uma “democracia racial” ? Não será agora, seguindo o exemplo dos EUA, a hora de ter coragem e assumir que não é possível perder mais tempo em discussões vazias e partir para ações ousadas e efetivas em busca da eliminação do racismo, da discriminação e do preconceito em nossa sociedade ?
Se as pesquisas estiverem certas, se não chover e se os rios não subirem, o vencedor das eleições presidenciais será ... Lyndon Baines Johnson . Quando assinou o memorável Ato pelos direitos Civis, em 1964 Johnson sabia que estava deixando o Sul e, com isso, muitos dos votos de brancos de várias regiões . “ Nós perdemos o Sul por uma geração “, haveria dito. Para essa geração, o tempo acabou . ... Não sou ingênuo. Racismo existe, e dependendo do assunto – crime, por exemplo – ele pode até aumentar . Mas o país mudou, por causa de personalidades, políticas e ações . Os atos pelos direitos civis da era Johnson fizeram brancos comer com negros nos mesmos restaurantes e dividir os mesmos hotéis. Ações afirmativas acostumaram brancos a ver negros em posições das quais eles haviam sido , por lei, excluídos . Brancos e negros puderam, de fato, trabalhar juntos. Os racistas estavam errados . ( Richard Cohen, colunista do jornal “ Washington Post “ )
( Jornal O Globo, 5 de novembro de 2008, pg. 33 )
Os EUA estão iniciando uma era “Pós-racial”. O Brasil ainda engatinha nas discussões raciais. Os racistas e os anti-racistas estão errados. Devemos não apenas ter consciência, mas agir em busca da igualdade da população negra na sociedade brasileira. Fazer do “sonho americano” de Luther King uma realidade brasileira, tendo como exemplo a vitória de Barack Obama, resultado não apenas da tomada de consciência mas de adoção de medidas práticas e efetivas para eliminação do racismo, do preconceito e da desigualdade .Fazer do 5 de novembro americano um exemplo para o 20 de novembro no Brasil .
Notas :
1 Consciência . sf ( lat conscientia ) – 1- Capacidade que o homem tem de conhecer valores e mandamentos morais e aplicá-los nas diferentes situações . 2- Conhecimento . 3- Percepção imediata da própria experiência; capacidade de percepção geral . ( Michaelis, Moderno Dicionário da Língua Portuguesa )
2 Racismo . sm ( raça+ismo ) – 1- Teoria que afirma a superioridade de certas raças humanas sobre as demais . ( Michaelis, Moderno Dicionário da Língua Portuguesa )
3 Discriminar. ( lat. Discriminare )1- Tratar de modo preferencial, geralmente com prejuízo para uma das partes . ( Michaelis, Moderno Dicionário da Língua Portuguesa )
4 Preconceito . sm ( pré + conceito ) – 1- Conceito ou opinião formados antes de ter os conhecimentos adequados . 2- Opinião ou sentimento desfavorável, concebido antecipadamente ou independente de experiência ou razão . 3- Atitude emocionalmente condicionada, baseada em crença opinião ou generalização, determinando simpatia ou antipatia para com indivíduos ou grupos . ( Michaelis, Moderno Dicionário da Língua Portuguesa )

Jorge Luís Rodrigues dos Santos
Graduado em Letras, Especialista em Estudos Afro-Diaspóricos, Pós-graduando em Gestão Escolar (Orientação Educacional). Professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro. Tutor do Curso Educação para as Relações Étnico-Raciais, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, Programa de Educação Sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB), Pólo UAB Rio das Ostras.