terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

PROVOCAÇÕES PARA UM ANO ELEITORAL

Não é das tarefas mais fáceis propor um texto em que o foco esteja voltado para o Tempo Presente, pois trata-se de um terreno instável e o calor dos acontecimentos podem, muitas vezes, nublar a análise, graças as tensões que acabam por envolver nossas experiências, práticas e atitudes tão humanas. É sempre mais difícil escrever sobre aquilo ao que temos pouca distância.
Assim, feitas as devidas ressalvas a possíveis equívocos que possam constar no decorrer deste texto, nos lançamos a esta arriscada empreitada de propor singelas provocações intelectuais.
Este ano que se inicia (de acordo com a crença popular, somente após o carnaval), traz consigo as eleições. O desafio aqui é tentar pensar para além da Copa do Mundo de Futebol, que "coincidentemente" ocorre as vésperas.
Falar em eleições, e conseguintemente em voto, nos remete também a pensarmos no relacionamento estabelecido entre população e a política partidária. Nesse sentido, acredito que muitos reconheceriam como verdadeira afirmação de que esta relação, atualmente, esbelecida em sentimento de desconfiança entre os eleitores e os representantes do Estado.
O que parece se desenhar é uma busca por uma relação mais direta entre o Estado e os indivíduos, à medida que corpos intermediários dessa relação - como sindicatos e partidos, por exemplo - se debilitam, deixando de corresponder aos interesses da população. Reflexos da dinâmica social que merecem atenção.
Tomando emprestadas as palavras de Durval de Albuquerque Júnior, onde afirma que: "Não há evento histórico que não seja produto de dadas relações sociais, de tensões, conflitos e alianças em torno do exercício de poder, de dada forma de organização da sociedade, produto de práticas e atitudes humanas, individuais e coletivas", podemos nos propor a pensar a atual situação estabelecida entre o eleitor e o Estado e seus representantes, para além da perigosa redução da política a questões administrativas ou econômicas.
Alguns poderão argumentar acerca da importância do mercado na vida social e política, ressaltando a globalização como ponto essencial nesta discussão, sinalizando que, para a realização de qualquer tipo de análise deste calibre, o ponto de partida deve ser, indubitavelmente, a perspectiva econômica.
Não temos a intensão de desprezar tal ponto de vista, especialmente por compreendermos que há relevância em tal perspectiva. Não há como desconsiderar a influência da cultura de consumo de massa e seu impacto diretamente na maneira como a população relaciona-se com a politica.Entretanto, apontamos para o risco de que uma análise que apenas adote este tipo de perspectiva possa gerar a sensação cristalização das dinâmicas da sociedade que influem e são influenciadas pela economia, acabando por eclipsar, deste modo, os atores sociais. É importante ressaltar que não há sociedade, economia ou história sem os indivíduos.
É bem verdade que o consumo de massas veio estabelecer um novo relacionamento entre as classes socais, universalizando os desejos de consumo - assim como criando o sentimento de frustração daqueles que encontram-se à margem dessa dinâmica. Entendemos, então, que o consumo passa a fazer parte do contexto político, uma vez que torna-se a grande demanda popular. Ser cidadão passar a ser sinônimo de ser consumidor.
No entanto, estas transformações sociais causadas pela economia do consumo de massas acabam por causar na sociedade uma ausência de um sentido coletivo, um sistema de valores e crenças comuns.
Como afirmam Bernardo Sorj e Danilo Martuccelli, a política democrática se contrói ao redor de um projeto de nação dentro do qual os indivíduos e grupos controem valores comuns de auto-reconhecimento. A coesão social passa a exigir articulações entre estas exigências simbólicas e a economia.
Considerando que todo evento histórico é cultural e simbólico e estes atuam para que se estabeleça uma comunicação entre os seres humanos, sem os quais não haveria economia, política ou sociedade, nem mesmo objeto e sujeito, queremos aqui apontar para o detalhe que as relações tradicionais estabelecidas de forma vertical passam a dar lugar a formas mais horizontais nos mais diferentes espaços sociais, como no trabalho, nas relações de gênero, grupos étnicos, interações públicas com autoridades políticas, e que, deste modo, o verdadeiro motor de um processo democratizador somente seria possível descolado do universo político partidário, das questões puramente econômicas, mas sim, focado na sociedade e na cultura.
Obviamente, esta trata-se de uma provocação. Não temos a empáfia de desejar apontar caminhos ou posarmos como visionários, mas apenas propor discussões e questionamentos, ansiando que esses nunca cessem, pois são o motor de todas as ciências.

Referências:
  • ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval de. A arte de inventar o passado. Bauru, São paulo: Edusc, 2007.
  • SORJ, Bernardo & MARTUCCELLI, Danilo. O desafio latino-americano: coesão e democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

Ana Claudia Ribas
Mestre em História do Tempo Presente
Universidade do Estado de Santa Catarina

2 comentários:

Anônimo disse...

Se eu fosse culto o bastante para comentar sobre política eu certamente comentaria...
Mas me considero neutro nesse debate. Entretanto, eu gostei do modo que você abordou tudo. Adimiro pessoas que escrevem coisas assim, mesmo que quando eu chegue no final do texto já tenho esquecido o inicio!
Ótimo blog o seu *--*

Se poder, comenta no meu >>> http://www.meninofabuloso.blogspot.com/

Ramon Mulin disse...

Na verdade fiquei surpreso ao receber e posteriormente ler este texto, você realmente conseguiu me supreender Ana, como uma historiadora cultural, trabalhou muito bem um tema relacionado a economia.
Fiquei surpreso, pois nunca havia lido algo que me trouxe outra perspectiva de cidadão, aliás quem sem poder aquisitivo em um mundo capitalista é cidadão? Meus sinceros parabéns, espero que possa colaborar mais com esse blog Ana.
Beijos no coração! ;D