segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A FARSA DA ABOLIÇÃO: A HISTÓRIA QUE NÃO É CONTADA


“Lei Áurea: 17 palavras que não bastam” - (Profa. Wânia Santanna)

LEI nº 3.353, de 13 de maio de 1888
LEI ÁUREA
Declara extinta a escravidão no Brasil

A princesa Imperial, Regente em Nome de Sua Majestade o Imperador o Senhor D. Pedro II, faz saber a todos os súditos do Império que a Assembléia Geral Decretou e Ela sancionou a Lei seguinte:
Art. 1º É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil.
Art. 2º Revogam-se as disposições em contrário.
Manda, portanto a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém.
O Secretário de Estado dos Negócios d'Agricultura, Comércio e Obras Públicas e Interino dos Negócios Estrangeiros, Bacharel Rodrigo Augusto da Silva, do Conselho de Sua Majestade o Imperador, o faça imprimir, publicar e correr.

67º da Independência e do Império.
a) Princesa Imperial Regente
Rodrigo A. da Silva
Carta de Lei, pela qual Vossa Alteza Imperial Manda executar o Decreto da Assembléia Geral que Houve por bem sancionar declarando extinta a escravidão no Brasil, como nela se declara.
Para Vossa Alteza Imperial ver.
Chancellaria-mór do Império
Antonio Ferreira Vianna.
Transitou em 13 de Maio de 1888. - José Júlio de Albuquerque
“(...)A escravidão é um assunto envolvente e misterioso, um assunto que desafia a nossa compreensão, que nos enche de raiva e de vergonha.”
“(...)“Ser escravo”, ao longo dos tempos, é sinônimo de violência extrema, de pancadas, de torturas; “escravo” é uma palavra cuja crueldade se aplica mais a uma cor do que à outra. Quase sempre, os escravos são negros; os patrões, brancos. O bairro dos escravos não está muito longe da formação do gueto, nem a escravidão do racismo, chaga purulenta e podre das sociedades atuais.”
Marie Agnès Combesque – Entre guerras e miséria: os escravos de hoje (págs. 5,6 e 7)

O dia 13 de Maio, para a população negra atualmente, é uma data que é sinônimo de tristeza e vergonha. Trazer à memória a “lembrança da escravidão” não é algo que se pretenda comemorar. A Comemoração do dia 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra e possível data da morte de Zumbi, como um dia a ser lembrado como lembrança de luta e resistência, isto sim, é algo a ser comemorado.
Porém, lembranças, tristezas e constrangimentos à parte, é importante olhar de um modo diferente a “Declaração da Abolição”, não apenas do ponto de vista de quem verdadeiramente a proclamou (a Princesa Isabel), como também dos efeitos desta promulgação. Qual foi a real participação dos negros ? Quais eram as verdadeiras motivações para que a lei fosse promulgada? O que mudou para a população negra este novo momento de liberdade?
A Lei Áurea no seu Art. 1º diz: É declarada extinta desde a data desta Lei a escravidão no Brasil. A extinção da escravidão, além de não ser uma “concessão” da autoridade monárquica, não significou também uma mudança da realidade de vida da população negra. A maior parte dos negros, nesta época, já gozava de liberdade, através de seus próprios meios e esforços (compra de alforrias, fugas e revoltas, entre outras formas), e a “extinção da escravidão, antes de atender às necessidades e reivindicações da população negra, tinha outras intenções.
Em primeiro lugar, havia o aspecto econômico: a pressão internacional, que ansiava pela mudança das condições econômicas vigentes na época e ansiando por um mercado consumidor em face da “Revolução Industrial”, forçava o país a caminhar rumo à mudanças em sua estrutura social (o Brasil foi o último país no mundo a extinguir a escravidão).
Em segundo lugar, a extinção da escravidão visava evitar uma mudança política, pois pressionada por reivindicações e pressões do movimento republicano, as autoridades monárquicas tentavam, com a abolição, enfraquecer o movimento republicano e manter-se no poder. Infelizmente, para os monarquistas, em 1889 a república foi proclamada.
A mudança do regime, porém, não se traduziu em mudanças (e melhorias) das condições de vida da população negra. A população que lutara durante anos pela sua liberdade, agora é excluída (e privada) dos seus direitos à cidadania.
“(...) Nas últimas décadas da escravidão, movimentos abolicionistas e projetos de lei foram acompanhados tanto por um processo de fuga em massa de escravos como por intensa mobilização popular, principalmente nas cidades. Essa é uma história que ainda não foi contada. A desigualdade não foi necessariamente inaugurada com a abolição. Ganhou contornos, marcas e argumentos econômicos e científicos Flávio dos Santos Gomes – Negros e política (1888-1937) ( págs. 9 e 10)
“ (...) As primeiras décadas pós-emancipação foram decisivas para os sentidos de liberdade, cidadania e autonomia. A questão parecia ser não tanto quem eram os protagonistas da liberdade, mas sim quais os significados desta. Liberdade para quê?
O que significava ser cidadão, ser integrado ou transformar-se em brasileiro?
Lutar por terra, autonomia, contratos, moradias e salários- e enfrentar a costumeira truculência – era reafirmar direitos, interesses e desejos redefinidos, também, em termos étnicos, coletivos e culturais. Havia muita coisa em disputa. Para a população negra não era apenas uma aposta num futuro melhor, mas o desejo de bancar o próprio jogo. “
Flávio dos Santos Gomes – Negros e política (1888-1937) (págs. 11 e 12)

“(...) Os ex-escravos foram abandonados à sua própria sorte. Caberia a eles, daí por diante, converter sua emancipação em realidade. Se a lei lhes garantia o status jurídico de homens livres, ela não lhes fornecia os meios para tornar sua liberdade efetiva. A igualdade jurídica não era suficiente para eliminar as enormes distâncias sociais e os preconceitos que mais de trezentos anos de cativeiro haviam criado. A lei Áurea abolia a escravidão mas não o seu legado. Trezentos anos de opressão não se eliminam com uma penada. A Abolição foi apenas o primeiro passo na direção da emancipação do negro. Nem por isso deixou de ser uma conquista, se bem que de efeito limitado. “ Emília Viotti da Costa – A Abolição ( pág.14)

E o que representa o 13 de maio para o povo negro hoje? Qual a sua importância? Vale a pena repensar o que representa esta data e de que modo, e isto é o mais importante, esta conquista pode ser continuada, ampliada e não esquecida.
“ Mesmo desmistificada por muitos historiadores, a farsa da abolição da escravatura se configurou nos livros escolares, seja na omissão da luta que desencadeou o ato oficial pondo fim ao escravismo, ou por encobrir, por exemplo, que em 1881, o governo já financiava a vinda de europeus ao país para substituir os negros escravizados. Ou que, em 1888 – ano da abolição – para 107 mil escravos registrados chegaram aqui 90 mil imigrantes da Europa custeados pelo estado brasileiro ocupando o lugar dos escravos, que foram despejados nas favelas e nas periferias das cidades onde seus descendentes permanecem até hoje sem indenização. Ainda assim, o dia 13 de Maio tem sua importância simbólica, não só por aqueles que lutaram e morreram pelo fim do escravismo, mas como registro de como a história pode ser usurpada pelos detentores do poder no Brasil. “
Maurício Pestana – Usurpação Histórica in Revista Raça Brasil (Número 132, Maio de 2009, pág. 7)
O dia 13 de Maio deve ser lembrado e transformado, contemporâneamente num marco da luta que permanece necessária e urgente e que permita não só a abolição da escravatura, mas também a abolição da desigualdade.

Jorge Luís Rodrigues dos Santos
Graduado em Letras, Especialista em Estudos Afro-Diaspóricos, Pós-graduando em Gestão Escolar (Orientação Educacional). Professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro. Tutor do Curso Educação para as Relações Étnico-Raciais, da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense, Programa de Educação Sobre o Negro na Sociedade Brasileira (PENESB), Pólo UAB Rio das Ostras.

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