sábado, 24 de abril de 2010

NAS TRINCHEIRAS DO SÉCULO XX: QUANDO O SÉCULO XX "MARCHOU" PARA O FRONT

A história das civilizações desde a antiguidade até a contemporaneidade traz em sua dinâmica de apogeu e declínio quer político, econômico ou social um passado - por vezes não muito distante -, marcado por relações de conflito, que revelam no discorrer de épocas uma trajetória de práticas sistemáticas de violência notadamente cingidas pelo fator guerra, enquanto fenômeno humano. E neste sentido, a quem afirme: “uma das ocupações favoritas dos homens é a guerra. As causas disso são múltiplas: ambição dos príncipes, que jamais acham possuir em quantidade satisfatória terras e vassalos sobre os quais reinar; corrupção dos ministros, que arrastam seu senhor a uma guerra para desviar ou sufocar a queixa geral dos súditos contra a má administração deles (...); divergências na interpretação de textos ditos sagrados; desejo do soberano de posar para a posteridade etc.” (VINCENT, 1995, p. 73). Assim, não é de se estranhar que o fenômeno da guerra esteja condicionado “(...) por sistemas simbólicos humanos, e na nossa vida moderna o sistema simbólico é o nacionalismo” (HUXLEY, s/d, p. 74), seguido do imperialismo.



Desta forma, sem sombras de dúvida o nacionalismo e o imperialismo marcaram o semblante do século 20, via uma mentalidade belicosa que levaria nações ao enfrentamento armado através de guerras de proporções mundiais. Com base em tais prerrogativas o historiador Eric Hobsbawm ao referir-se ao século 20 observou: “ele foi marcado pela guerra. Viveu e pensou em termos de guerra mundial, mesmo quando os canhões se calavam e as bombas não explodiam”. (HOBSBAWM, 1995, p. 30).

Assim, enquanto a década de 1910 dava seus primeiros passos, uma guerra se preparava no bojo da Europa. Deflagrada em 1914 a Grande Guerra seria o “marco sangrento entre o velho e o novo mundo”, inaugurando uma inovadora concepção de guerrear - que se distanciava de antigas práticas de combates do século 19 com espadas e cavalaria -, focada no conflito de massas, e na utilização de trincheiras, ainda como de novos inventos, entre os quais, a metralhadora, o lança-chamas e gases venenosos.
Sobre o uso de gases letais durante a Primeira Guerra Mundial, tem-se: “em agosto de 1914, os franceses usaram gás lacrimogêneo nos campos de batalha. Mas foram os alemães que inauguraram a guerra química, com sopros de gás cloro, em 22 de abril de 1915. Os aliados retaliaram na mesma moeda. No fim do conflito, cerca de 200 mil alemães, 190 mil franceses e 188 mil britânicos foram mortos ou feridos por gases tóxicos, apesar da invenção de máscaras e sistemas de proteção”. (Coleção Grandes Guerras, 2004, p. 67).
Terminada no dia 11 de novembro de 1918, a Grande Guerra além de decretar o fim das monarquias absolutistas e elevar os Estados Unidos enquanto potência mundial, prometia ainda, “acabar com todas as guerras”, todavia, o século 20 não tardaria em gestar outro conflito, com extensão e intensidade maiores do que o primeiro conflito mundial, e assim a década de 1930 sinalizava para um novo tempo, tempo de guerra.
Em setembro de 1939, frente ao expansionismo alemão no Leste Europeu, França e Inglaterra declaravam guerra a Hitler e sua Alemanha nazista, iniciando assim, um segundo conflito mundial. Esta nova guerra traria em seu bojo políticas segregacionistas - raciais, implementadas pelo nacional-socialismo alemão do III Reich, que levariam ao extermínio de grupos étnicos rotulados de inferiores e indesejáveis e ao seu aniquilamento cultural, e desta forma: “em nome de objetivos raciais remanejaram-se nações, e milhares de pessoas foram arrancadas de sua pátria, reinstaladas num lugar estranho, a centenas de quilômetros de distância, abandonadas, encerradas em campos de trabalho ou deliberadamente eliminadas” (MAZOWER, 2001, p. 163).
Nesses termos, é imprescindível pensar o fenômeno das guerras, sobretudo as de âmbito mundial, sem relacioná-las como um problema social, perpassado por questões político-econômicas, que produziu especialmente perdas humanas, quer militares ou civis, danos materiais frente cidades arrasadas - isto para não falar na destruição de obras de arte -, redundando na desorganização da sociedade. Assim, tomando como exemplo a Segunda Guerra Mundial, e seus impactos no Leste europeu, “(...) talvez a Polônia apresente o caso mais dramático; senhores do território durante seis anos, os alemães empreenderam a destruição sistemática de todas as elites, intelectuais, administrativas, espirituais e políticas (...)”. Desta forma, no caso polonês, “(...) o balanço das perdas não exprime tão-só pela cifra global de 6 ou 7 milhões de mortos; traduz-se também por uma decapitação” (RÉMOND, 2005, p. 129). Por seu turno, na Alemanha “a guerra mudou também a vida cotidiana dos alemães. As rações de gêneros alimentícios continuaram a diminuir, a qualidade do pão a piorar (...). A duração de semana de trabalho útil passou de 48 para 50 horas. Quanto mais durava a guerra, mais se tornou maciça a intervenção sobre os jovens”. (MINERBI, 2009, p. 147).
Não obstante, o contexto de conflitos do século 20, este “breve século” como ousou chamá-lo Eric Hobsbawm, revelou um estranho potencial das civilizações quer ocidentais, quer orientais, ou seja, uma vontade de potência agregada a uma mentalidade belicista, regida pela morte e suas diversas formas de aniquilação, ora pelo uso de gases tóxicos nas trincheiras, ora pela execução sistemática de judeus e ciganos em campos de concentração ou ainda mediante as vítimas do cogumelo atômico de Hiroshima. Por tanto não é nenhuma novidade que uma parte bem substanciosa da história dos homo sapiens tenha sido escrita com sangue, basta usar o olfato, para sentir que no ar ainda paira um inegável cheiro de morte...

Referências Bibliográficas

Coleção Grandes Guerras – Volume 1: Primeira Guerra Mundial (1914-1918). São Paulo: Abril, 2004.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
HUXLEY, Aldous. A Situação Humana. São Paulo: Círculo do Livro, s/d.
MAZOWER, Mark. Continente Sombrio. A Europa no Século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
MINERBI, Alessandra. História Ilustrada do Nazismo. Volume 2: O poder e as conseqüências (1933-1945). São Paulo: Larousse, 2009.
RÉMOND, René. O Século XX – de 1914 aos nossos dias. 12 ed. São Paulo: Cultrix, 2005.
VINCENT, Gerard. Akhenaton: a história do homem contada por um gato. 3 ed. São Paulo: Siciliano, 1995.

ANTONIO CLEBER RUDY
ESPECIALISTA EM HISTÓRIA SOCIAL - UNIVERSIDADE D ESTADO DE SANTA CATARINA (UDESC)
MESTRE EM HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE - UNIVERSIDADE D ESTADO DE SANTA CATARINA (UDESC)
 

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