sábado, 24 de abril de 2010

NAS TRINCHEIRAS DO SÉCULO XX: QUANDO O SÉCULO XX "MARCHOU" PARA O FRONT

A história das civilizações desde a antiguidade até a contemporaneidade traz em sua dinâmica de apogeu e declínio quer político, econômico ou social um passado - por vezes não muito distante -, marcado por relações de conflito, que revelam no discorrer de épocas uma trajetória de práticas sistemáticas de violência notadamente cingidas pelo fator guerra, enquanto fenômeno humano. E neste sentido, a quem afirme: “uma das ocupações favoritas dos homens é a guerra. As causas disso são múltiplas: ambição dos príncipes, que jamais acham possuir em quantidade satisfatória terras e vassalos sobre os quais reinar; corrupção dos ministros, que arrastam seu senhor a uma guerra para desviar ou sufocar a queixa geral dos súditos contra a má administração deles (...); divergências na interpretação de textos ditos sagrados; desejo do soberano de posar para a posteridade etc.” (VINCENT, 1995, p. 73). Assim, não é de se estranhar que o fenômeno da guerra esteja condicionado “(...) por sistemas simbólicos humanos, e na nossa vida moderna o sistema simbólico é o nacionalismo” (HUXLEY, s/d, p. 74), seguido do imperialismo.



Desta forma, sem sombras de dúvida o nacionalismo e o imperialismo marcaram o semblante do século 20, via uma mentalidade belicosa que levaria nações ao enfrentamento armado através de guerras de proporções mundiais. Com base em tais prerrogativas o historiador Eric Hobsbawm ao referir-se ao século 20 observou: “ele foi marcado pela guerra. Viveu e pensou em termos de guerra mundial, mesmo quando os canhões se calavam e as bombas não explodiam”. (HOBSBAWM, 1995, p. 30).

Assim, enquanto a década de 1910 dava seus primeiros passos, uma guerra se preparava no bojo da Europa. Deflagrada em 1914 a Grande Guerra seria o “marco sangrento entre o velho e o novo mundo”, inaugurando uma inovadora concepção de guerrear - que se distanciava de antigas práticas de combates do século 19 com espadas e cavalaria -, focada no conflito de massas, e na utilização de trincheiras, ainda como de novos inventos, entre os quais, a metralhadora, o lança-chamas e gases venenosos.
Sobre o uso de gases letais durante a Primeira Guerra Mundial, tem-se: “em agosto de 1914, os franceses usaram gás lacrimogêneo nos campos de batalha. Mas foram os alemães que inauguraram a guerra química, com sopros de gás cloro, em 22 de abril de 1915. Os aliados retaliaram na mesma moeda. No fim do conflito, cerca de 200 mil alemães, 190 mil franceses e 188 mil britânicos foram mortos ou feridos por gases tóxicos, apesar da invenção de máscaras e sistemas de proteção”. (Coleção Grandes Guerras, 2004, p. 67).
Terminada no dia 11 de novembro de 1918, a Grande Guerra além de decretar o fim das monarquias absolutistas e elevar os Estados Unidos enquanto potência mundial, prometia ainda, “acabar com todas as guerras”, todavia, o século 20 não tardaria em gestar outro conflito, com extensão e intensidade maiores do que o primeiro conflito mundial, e assim a década de 1930 sinalizava para um novo tempo, tempo de guerra.
Em setembro de 1939, frente ao expansionismo alemão no Leste Europeu, França e Inglaterra declaravam guerra a Hitler e sua Alemanha nazista, iniciando assim, um segundo conflito mundial. Esta nova guerra traria em seu bojo políticas segregacionistas - raciais, implementadas pelo nacional-socialismo alemão do III Reich, que levariam ao extermínio de grupos étnicos rotulados de inferiores e indesejáveis e ao seu aniquilamento cultural, e desta forma: “em nome de objetivos raciais remanejaram-se nações, e milhares de pessoas foram arrancadas de sua pátria, reinstaladas num lugar estranho, a centenas de quilômetros de distância, abandonadas, encerradas em campos de trabalho ou deliberadamente eliminadas” (MAZOWER, 2001, p. 163).
Nesses termos, é imprescindível pensar o fenômeno das guerras, sobretudo as de âmbito mundial, sem relacioná-las como um problema social, perpassado por questões político-econômicas, que produziu especialmente perdas humanas, quer militares ou civis, danos materiais frente cidades arrasadas - isto para não falar na destruição de obras de arte -, redundando na desorganização da sociedade. Assim, tomando como exemplo a Segunda Guerra Mundial, e seus impactos no Leste europeu, “(...) talvez a Polônia apresente o caso mais dramático; senhores do território durante seis anos, os alemães empreenderam a destruição sistemática de todas as elites, intelectuais, administrativas, espirituais e políticas (...)”. Desta forma, no caso polonês, “(...) o balanço das perdas não exprime tão-só pela cifra global de 6 ou 7 milhões de mortos; traduz-se também por uma decapitação” (RÉMOND, 2005, p. 129). Por seu turno, na Alemanha “a guerra mudou também a vida cotidiana dos alemães. As rações de gêneros alimentícios continuaram a diminuir, a qualidade do pão a piorar (...). A duração de semana de trabalho útil passou de 48 para 50 horas. Quanto mais durava a guerra, mais se tornou maciça a intervenção sobre os jovens”. (MINERBI, 2009, p. 147).
Não obstante, o contexto de conflitos do século 20, este “breve século” como ousou chamá-lo Eric Hobsbawm, revelou um estranho potencial das civilizações quer ocidentais, quer orientais, ou seja, uma vontade de potência agregada a uma mentalidade belicista, regida pela morte e suas diversas formas de aniquilação, ora pelo uso de gases tóxicos nas trincheiras, ora pela execução sistemática de judeus e ciganos em campos de concentração ou ainda mediante as vítimas do cogumelo atômico de Hiroshima. Por tanto não é nenhuma novidade que uma parte bem substanciosa da história dos homo sapiens tenha sido escrita com sangue, basta usar o olfato, para sentir que no ar ainda paira um inegável cheiro de morte...

Referências Bibliográficas

Coleção Grandes Guerras – Volume 1: Primeira Guerra Mundial (1914-1918). São Paulo: Abril, 2004.
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos. O breve século XX. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
HUXLEY, Aldous. A Situação Humana. São Paulo: Círculo do Livro, s/d.
MAZOWER, Mark. Continente Sombrio. A Europa no Século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
MINERBI, Alessandra. História Ilustrada do Nazismo. Volume 2: O poder e as conseqüências (1933-1945). São Paulo: Larousse, 2009.
RÉMOND, René. O Século XX – de 1914 aos nossos dias. 12 ed. São Paulo: Cultrix, 2005.
VINCENT, Gerard. Akhenaton: a história do homem contada por um gato. 3 ed. São Paulo: Siciliano, 1995.

ANTONIO CLEBER RUDY
ESPECIALISTA EM HISTÓRIA SOCIAL - UNIVERSIDADE D ESTADO DE SANTA CATARINA (UDESC)
MESTRE EM HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE - UNIVERSIDADE D ESTADO DE SANTA CATARINA (UDESC)
 

quarta-feira, 14 de abril de 2010

MISSÕES JESUÍTAS NO RIO DE JANEIRO 1 – O ALDEAMENTO DE SÃO LOURENÇO


Os missionários jesuítas estabeleceram-se no Rio de Janeiro, organizando aldeamentos (missões) para catequese e educação de índios, que também serviam como fonte de mão-de-obra e faziam parte de um complexo sistema de defesa da cidade do Rio de Janeiro.

Introdução:   
      Na História do Brasil a associação entre os membros da Companhia de Jesus, os Jesuítas, e o Estado do Rio de Janeiro é pouco enfocada. Geralmente tal associação se dá apenas no episódio histórico da formação da França Antártica, quando protestantes huguenotes franceses fundaram uma colônia no atual território do Rio de Janeiro, sendo derrotados e expulsos por uma coalizão de índios e portugueses que fora arquitetada pelos missionários jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta.
      No entanto, foi o Rio de Janeiro palco de diversas outras ações dos jesuítas, como a instalação de colégios, fazendas e, algumas missões, tratadas pela parca historiografia fluminense como aldeias ou aldeamentos jesuítas.
      Dentre os diversos núcleos missionários, destacava-se a Aldeia de São Lourenço, localizada do outro lado da Baia da Guanabara, na borda direita, onde está atualmente a cidade de Niterói, há 13 Km da cidade do Rio de Janeiro.
      A Aldeia de São Lourenço, pela sua localização estratégica, não era apenas um núcleo missionário, mas também congregava funções típicas das comunidades coloniais, como o fornecimento de mão-de-obra, abastecimento de gêneros alimentícios e a defesa da entrada da baía que dá acesso ao Rio de Janeiro.
1. Missões, Reduções, Aldeamentos… uma solução brasileira para o problema da catequese indígena  
     Após tentativas iniciais dos padres seguirem até as aldeias indígenas para efetuar as atividades de catequese, tanto os padres jesuítas, quanto o governo geral do Brasil, resolveram inverter o processo, formando aldeias para onde os índios deveriam  se dirigir e viver conforme as regras dos missionários. O governo geral deu início à política de aldeamentos religiosos, cuja função primordial seria a de reunir os índios aliados em grandes aldeias próximas aos núcleos portugueses, onde sob a administração espiritual e temporal dos jesuítas tornar-se-iam súditos cristãos para garantir e expandir as fronteiras portuguesas na Colônia. De início, os padres iam aos sertões doutrinar os índios, porém os riscos da situação e os limites da atuação missionária nessas condições os levaram a transferir os índios para aldeias construídas próximas aos núcleos urbanos, prática que se desenvolveria, sobretudo, a partir da campanha destruidora de Mem de Sá, no final dos anos 1550. Os padres enfrentavam a hostilidade dos colonos interessados na escravização dos índios e, principalmente, os ataques freqüentes das tribos hostis que ameaçavam os estabelecimentos portugueses e o próprio projeto dos jesuítas (Almeida, 2001).
     Nóbrega e Anchieta convenceram os governadores gerais Tomé de Souza e Mem de Sá a instalar aldeamentos pensando inclusive nas questões européias que afligiam o Brasil, como as tentativas de invasão e instalação dos franceses no Rio de Janeiro e combates aos índios inimigos na Bahia e também no Rio de Janeiro:
      No final dos anos 1550, entre o sul da Bahia e o Rio de Janeiro, os índios hostis davam combate incessante aos portugueses, Mem de Sá enfrentou-os violentamente e com a ajuda dos jesuítas conseguiu dominar a situação no espaço de cerca de dez anos. Paralelo às campanhas militares, o terceiro governador impunha novas regras aos índios aliados, ao mesmo tempo em que os reunia em grandes aldeias satisfazendo o projeto dos jesuítas. Nóbrega e Anchieta exultavam com a nova política que enchia as aldeias de índios que pediam a paz, aterrorizados com a situação de guerra enfrentada nos sertões (Almeida, 2001, pp. 60-61).
     Historiadores, cronistas, jornalistas e antropólogos como Haubert, Bueno,  Rodrigues, Leite, Eisemberg,  Neves, Holanda e Franca definem o termo missão ou redução de forma semelhante, que em suma se refere à denominação atribuída a aldeamentos indígenas cuja organização e, principalmente, a administração era realizada pelos membros da Companhia de Jesus no continente americano. As missões e reduções não consistiam em projetos isolados, mas eram parte de uma série de atividades mais amplas de cunho civilizador e evangelizador, que compreendia  também a fundação de colégios e conventos (Haubert, 1990).
     Ramón Gutierrez em seu livro As Missões Jesuíticas dos Guaranis, nos dá  uma opção de definição muito próxima dos autores comentados acima:
      Os jesuítas haviam optado por um tipo de ação evangelizadora que se denominava missão, ou seja, um avanço sobre as zonas indígenas não catequizadas ou sobre centros urbanos espanhóis, onde por um certo tempo se pregava e em seguida se retornava ao colégio ou residência central (1987, p. 08).
      Padre Montoya (1996), um dos mais importantes escritores quando o assunto é a presença jesuíta entre os indígenas sul-americanos, nos deixou aquele, que, talvez seja a mais antiga definição de uma Missão ou Redução:
      Llamamos reducciones a los pueblos de los indios, que viviendo a su antigua usanza en montes, sierras y valles, en escondidos arroyos, en tres, cuatro o seis casas solas, separados a legua, dos, tres y más unos de otros, los redujo la diligencia de los padres a poblaciones grandes y a vida política y humana, a beneficiar el algodón para con que se vistan; porque comúnmente vivían en desnudez, aún sin cubrir lo que la naturaleza oculto (Montoya, 1996, p. 58).
     Máxime Haubert (1990), em Índios e Jesuítas no Tempo das Missões e Arno Kern (1982), em Missões: uma experiência política, concordam que objetivo das Missões foi o de criar uma sociedade com os benefícios e qualidades da sociedade cristã européia, mas isenta dos seus vícios e maldades. De todos os inúmeros aldeamentos jesuítas os que passaram à história de modo particularmente importante por seu notável florescimento foram os fundados na região da fronteira entre o Brasil, Bolívia, Argentina e Paraguai (Kern, 1982).
2. Aldeamentos do Rio de Janeiro  
     Ao longo de dois séculos de permanência jesuíta no Brasil, o território do atual Estado do Rio de Janeiro foi um espaço densamente ocupado por ações de ordem missionária desses frades. Não só os jesuítas, mas diversas outras ordens instalaram-se no Rio de Janeiro, aldeando e catequizando os nativos, dispondo-os em comunidades organizadas, sobretudo, conforme dispositivos europeus, mas com uma marca indelével da presença cultural nativa.
     O projeto jesuíta para o Rio de Janeiro não teve a mesma disposição e dimensões de suas comunidades ou missões na região sul ou na região Amazônica, porém, além de inegável, sua presença no espaço geográfico fluminense fez-se notar ao longo dos anos em que aqui estiveram pela instalação e funcionamento dos seminários, colégios e, principalmente, as missões ou aldeamentos.
     A professora Andréa de Lima Sales do programa Pró-Índio da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), assim escreveu em seu artigo A Influência dos Jesuítas sobre a Educação Escolar Indígena no Brasil, publicado em 2007:
      A ordem da Companhia de Jesus, segundo a documentação histórica conhecida, desempenhou papel importante na construção da história da educação do Brasil, sendo considerada precursora da educação escolarizada. Com esta função, também foi responsável pela catequização dos índios, a fim de lhes tirar “do mundo de perdição e perversão”, no qual segundo os jesuítas, todos os índios estavam mergulhados. No entanto, destaco outras funções da Companhia, que não foram explicitadas, como estas relacionadas à disciplina da força de trabalho indígena (Sales,  2007, p. 04).
      No Brasil, a Companhia de Jesus destacou-se das demais ordens, tendo alcançado no Rio de Janeiro colonial considerável poderio político e econômico, que lhe foi conferido, em grande parte, por seu importante papel na integração dos índios à Colônia, desde a guerra da conquista. Superiores aos membros das demais ordens em formação intelectual, disciplina e eficiência, os padres da Companhia foram, desde cedo, privilegiados pelas autoridades metropolitanas no tocante às questões indígenas na América portuguesa. Chegaram com Tomé de Souza e foram os únicos a desafiar, no Brasil, colonos e autoridades pela escravização irregular dos índios (Almeida, 2001).
O estabelecimento de missões ou aldeamentos jesuítas no Brasil não teve apenas motivação religiosa, ou motivação educativa, como se pode imaginar. Claro que ambas as motivações foram importantes para instalação dos aldeamentos, mas não foram as únicas (Sales, 2007). Outras motivações levaram a política de aldeamentos no território brasileiro e, em especial, no Rio de Janeiro.
      Não tardou para que os colonos portugueses e os índios dependessem muito dos aldeamentos, cada qual no seu rol de motivações (Almeida, 2001). Da parte dos colonos, necessidade de mão-de-obra, qualquer que fosse a forma, escrava ou servil, unia-se a uma necessidade geopolítica tanto dos colonos quanto das autoridades de defender a colônia, em especial o Rio de Janeiro (Almeida, 2001). Da parte indígena, tamanha pressão dos colonos e autoridades sobre suas estruturas resultaram numa verdadeira fuga em direção aos aldeamentos, que, pelo menos, lhes garantissem a liberdade e certa dose de autonomia (Freire, 1999).
      Os projetos de colonização européia no Brasil e em toda América, longe de serem reduzidos unicamente à esfera do caráter econômico, devem ser vistos em sua perspectiva global de empreendimento político, econômico e religioso (Almeida, 2001). Afinal, na Europa do Antigo Regime, sobretudo nos países ibéricos, o temporal e o espiritual estavam fortemente associados e os ideais da conquista e da colonização tiveram sempre um forte conteúdo religioso. Não se pode desconsiderar que o projeto colonial como típico dos países ibéricos estava inserido no contexto da Contra-Reforma ou Reforma Católica, abrangendo uma mistura de interesses nas quais fundiam-se o temporal e o espiritual.
      A instalação dos aldeamentos, vistos por este prisma, tratou-se de uma bem articulada execução de um plano não só dos jesuítas, mas das coroas ibéricas no continente. Ao fundar uma missão ou aldeamento, não só procuravam atender os elementos religiosos de catequizar os índios, utilizando-se a Educação como instrumento de catequese, como também atendiam aos anseios expansionistas e dominadores da metrópole portuguesa.
      Costuma-se criticar a postura jesuíta, acusando-os inclusive de um comportamento meramente mercantilista, como se as aldeias por eles formados tivessem apenas um caráter de lucratividade. Maria Regina Celestino de Almeida, assim questionou essa postura de alguns historiadores:
      A atuação dos jesuítas nas colônias tem sido objeto de discussões e controvérsias que, em geral, tendem a classificá-los nos extremos de santos mártires da colonização ou de espertos empresários pré-capitalistas, numa visão dualista entre o ideológico e o econômico, reduzindo e simplificando extremamente a complexidade do processo colonial (Almeida, 2001, p. 82).
      Conforme se posiciona a autora, a visão de inúmeros historiadores é meramente dualista, como se os aldeamentos servissem apenas para angariar fundos para a Companhia de Jesus. Segundo a autora, este não deve ser apresentado como uma causa para sua instalação, mas um bom motivo para sua manutenção e sucesso:
      O principal objetivo da Companhia era religioso, e se adquiriu força política e econômica no decorrer dos três séculos da colonização, isso se deu de forma concomitante ao esforço ideológico da catequese (Almeida, 2001, p. 83).
      Do esforço dos padres e do trabalho indígena surgiu a prosperidade entre os aldeamentos, sendo, portanto, conseqüência de sua instalação. Maria Regina narrando a fundação do Colégio de Santo Inácio no Rio de Janeiro, completou:
      Estabeleceram-se na região, fundaram o Colégio, criaram aldeias, estabeleceram fazendas e outras atividades econômicas com as quais construíram considerável patrimônio, explorando, não resta dúvida, o trabalho dos índios – aldeados e índios escravos – e dos escravos negros. Para a realização dos seus objetivos não abriam mão do poder temporal e da coerção física (Almeida, 2001, p. 85).
      Aos índios a missão religiosa dos padres foi vista com muita desconfiança, afinal tratava-se de uma nova ideologia que pretendia se sobrepor aos ditames e crenças milenares que praticavam. Mesmo com toda resistência indígena à conversão, foi óbvio que a maioria absoluta tinha motivos de sobra para unirem-se ao projeto de catequese e educação, conforme assinalou John Monteiro: a conversão oferecia aos índios instrumentos para que eles contestassem a dominação não apenas religiosa, mas também colonial (Monteiro, 1994, p. 66).
A relação de causa e efeito que cerca a questão dos aldeamentos e suas atividades econômicas, aos olhos de historiadores como Almeida, Monteiro, Abreu e Novais, por exemplo, deve ser vista como na proporção de que a montagem dos aldeamentos deu-se por razões religiosas e educacionais, mas que resultaram em importantes empreendimentos agro-mercantis no Rio de Janeiro e em quase todo o Brasil.  
3. O Aldeamento de São Lourenço
     São Lourenço, São Barnabé, São Francisco Xavier e São Pedro, os aldeamentos jesuítas estudados, foram os de maior duração e os de maiores dimensões em território fluminense, servindo ao propósito desta pesquisa. Almeida (2001) nos dá a seguinte argumentação para o estudo das aldeias jesuítas que se seguem:
      O espaço privilegiado da pesquisa é o da experiência das populações indígenas nas aldeias, procurando perceber suas relações com a sociedade colonial. As aldeias priorizadas são as que atravessaram os três séculos da colonização por terem tido presença mais marcante na capitania e apresentarem documentação mais abundante. Dentre elas, quatro foram administradas pela Companhia de Jesus: São Lourenço, São Barnabé, São Francisco Xavier e São Pedro (Almeida, 2001, p. 83).
      As aldeias, de origem jesuíta, atravessaram três séculos por serem, também, administradas pela Companhia de Jesus e, por atenderem em termos de defesa e mão-de-obra as perspectivas da sociedade colonial.
     Juntamente com a Aldeia de São Barnabé, o aldeamento que recebeu o nome de Aldeia de São Lourenço eram os mais bem localizados do Rio de Janeiro, estando a menos de 15 Km de distância da cidade do Rio de Janeiro, no lado leste da Baía da Guanabara, protegendo o flanco direito desta.
     Além da proximidade física com o Rio de Janeiro, a aldeia agregava principalmente os indígenas que habitavam o entorno da Baía da Guanabara, em geral tupis que familiarizados entre si, aliados de outrora ou recém-agregados.
     A localização exata do aldeamento fez-se sobre uma colina, ponto estratégico que permitia vislumbrar a entrada da Baía da Guanabara, a cidade do Rio de Janeiro e as vias de acesso ao interior, permitindo vigilância sobre as ocorrências da cidade, os invasores externos e inimigos que viessem do interior.
     O ponto estratégico foi uma escolha do fundador da aldeia, Araribóia, posteriormente mantido pelos sucessores deste e, claro, pelos jesuítas, que além do espírito de catequese tinham se imbuído da necessidade de manter a vigilância sobre a região, bem como outras formas de colaboração com os colonizadores portugueses (Almeida, 2001).
     O acesso à aldeia para quem estava no Rio de Janeiro se fazia de duas formas rápidas: acompanhando a orla da baía, um percurso de 40 Km, pouco usado devido aos terrenos pantanosos dos manguezais, que em geral demandava um dia de caminhada; ou, o percurso mais curto e comum, cruzando-se a baía em pirogas a remo ou escunas à vela, cerca de 15 Km e duas a três horas de duração (IBGE, 2008).
     A Aldeia de São Lourenço foi fundada no contexto conturbado das guerras entre franceses, portugueses e seus respectivos aliados indígenas pela conquista da Guanabara, episódio conhecido como França Antártica e já tratado neste trabalho. Nas disputas entre franceses protestantes, calvinistas, denominados localmente de huguenotes, seus aliados, os tamoios, e, portugueses, católicos, com apoio incondicional e operativo dos jesuítas e seus aliados os índios liderados por Araribóia, estratégias diversas eram utilizadas. Enquanto os franceses prometiam paz e convívio harmonioso – promessa não cumprida –, os jesuítas representando as autoridades coloniais, amparados pelo crivo da autoridade de Estácio e Mem de Sá, faziam promessas de terras e de vingança contra os desafetos de Araribóia, os tamoios (Varnhagen, 1962).
     Araribóia ou Ararigbóia que em tupi significa, "cobra feroz" ou "cobra da tempestade", foi cacique da tribo dos Temiminós, grupo indígena Tupi, em meados do século XVI. O seu domínio era a Ilha de Paranapuã, hoje Ilha do Governador, na baía de Guanabara, no litoral do Rio de Janeiro. Araribóia era cacique dos Temiminós quando os franceses, com o apoio dos Tamoios, tomaram o controle da Guanabara, na então Capitania do Rio de Janeiro, em 1555, expulsando-o de sua ilha (Cardim, 1980).
     Tendo perdido as suas terras, o cacique e sua tribo seguiram para a então Capitania do Espírito Santo, onde reorganizaram a sua aldeia e expulsaram alguns holandeses. Quando a Coroa de Portugal enviou ao Brasil o seu terceiro Governador-geral, Mem de Sá, com um contingente de soldados bem armados para retomar a Guanabara aos franceses, os portugueses estabeleceram aliança com Araribóia, conseguindo desse modo reforçar os seus efetivos em cerca de oito mil homens, indígenas conhecedores do território e inimigos dos Tamoios (Florentino, 1995).
     Fernão Cardim em Tratados e Gentes da Terra do Brasil, obra de 1624, reeditada diversas vezes, assim descreveu a fundação da Aldeia de São Lourenço:
      Para o estabelecimento de São Lourenço, Araribóia escolheu terras na banda d’além pertencentes a Antônio Marins e sua esposa Isabel Velha, que lhes foram passadas por escritura pública de renúncia do casal, em 1568, e carta de sesmaria de Mem de Sá do mesmo ano (Cardim, 1980, p. 224).
     A abundância de recursos naturais e a mão-de-obra disciplinada e farta resultaram em exultante progresso. Manolo Florentino, narrando o crescimento da aldeia nos anos seguintes, assim citou:
      Que se estendeu da montanha de São Lourenço por todo o lugar denominado Praia Grande até os areais de Icaraí e aumentou de maneira que já em 1578 não haviam terras para serem dadas (…) aos parentes que os principais daquela aldeia queriam mandar vir (…) a fim de com eles conviver como eles mesmos alegaram (Florentino, 1995, p. 145).
     Almeida (2001) não nos permite esquecer, entretanto, que a despeito de todas as causas da formação do Aldeamento de São Lourenço,  as questões bélicas estavam acima das demais. Não só as questões no tocante ao Rio de Janeiro, como também a defesa de outras regiões, como guerras contra os holandeses no Nordeste, franceses no Norte e, principalmente, os espanhóis no Sul – em especial após a fundação da Colônia do Sacramento, enclave lusitano no Rio da Prata, defronte Buenos Aires:
      É importante lembrar que o Rio de Janeiro foi também responsável pela defesa e ocupação de áreas mais distantes para onde enviava grandes contingentes militares constituídos de índios, como foi o caso da guerra contra os holandeses e da ocupação da região sul, sobretudo da Colônia do Sacramento (Almeida, 2001, p. 102).
     Araribóia além de fundador foi o cacique da aldeia até sua morte e, ao contrário do que ocorria nas tribos não aldeadas, a função de cacique foi transmitida hereditariamente e vitaliciamente a seus descendentes, que além de ocuparem os cargos de mais destaque em São Lourenço, os fizeram em outros aldeamentos.
     A administração era compartilhada, cabendo ao cacique o poder temporal sobre os índios desde que as leis da Coroa não fossem desvirtuadas ou anuladas. Em geral, era o cacique um representante da administração colonial, com respectivo status e cargos compatíveis. Havia, portanto, uma administração compartilhada entre os padres da Companhia e Araribóia, com grande projeção e influência deste último, cujo prestígio era ilimitado no Rio de Janeiro dos primeiros tempos da colonização. Com a morte deste e posteriormente de seus descendentes, a influência indígena, embora grande, foi cedendo espaço aos das autoridades eclesiásticas, principalmente com a elevada dependência em relação aos índios da aldeia nos assuntos de defesa da região e trabalho. Não se pode desconsiderar que além do prestígio de Araribóia, batizado Martim Afonso de Souza em homenagem ao navegador e explorador português, havia muita dependência em relação a este, sobretudo nas questões de defesa conforme descreve o padre Francisco de Oliveira em carta citada por Elísio de Oliveira Belchior:
      As inúmeras concessões feitas a Araribóia, das quais trataremos mais adiante, são reveladoras da extrema dependência dos portugueses em relação aos índios aliados e dos agrados feitos às suas lideranças, sobretudo nos séculos XVI e XVII. Consta que a aldeia de São Lourenço foi estabelecida inicialmente no Rio de Janeiro em terras dos jesuítas por questões de defesa, tal qual aparece no mapa quinhentista de Luís Teixeira, sob a denominação de aldeia de Martinho. Desde então, o bravo Martim Afonso destacou-se como auxiliar infatigável do capitão-mor em todos os combates contra os franceses e tamoios (Belchior, 1965, p. 55).
     O poder dos jesuítas limitava-se, na época de Araribóia, ao espiritual, ou seja, atividades religiosas e educativas, além das de ordem econômica, sendo que esta última costumava ser negociada com o cacique. Com a morte de Araribóia, seus sucessores mantiveram grande parte do poder temporal, mas foram gradativamente perdendo espaço para os jesuítas e, pressionados cada vez mais pelas autoridades coloniais, ávidas de soldados, produtos e mão-de-obra (Varnhagen, 1962).
     Os jesuítas souberam contornar o poder dos índios e assumir o controle da região, expandindo a aldeia, tornando-a uma localidade importante inclusive sob o asppecto comercial. Almeida (2001) assim tratou a fundação e a importância da aldeia:
      Estabeleceram-se na região, fundaram o Colégio, criaram aldeias, estabeleceram fazendas e outras atividades econômicas com as quais construíram considerável patrimônio, explorando, não resta dúvida, o trabalho dos índios – aldeados e índios escravos – e dos escravos negros. Para a realização dos seus objetivos não abriam mão do poder temporal e da coerção física. No Rio de Janeiro, foram responsáveis pela organização e funcionamento da maior parte delas, incluindo as mais importantes, que atravessaram os três séculos da colonização (Almeida, 2001, p. 81).
     Demograficamente a aldeia cresceu com o número de nascimentos e descimentos superando o de mortos, fugitivos e emigrados, conforme nos atestam os autores Almeida (2001), Lamego (1946), Matta (1993), Leite (1937), Bueno (2000), Souza e Silva (1854) e Pizarro (1945), tornando-se por conseguinte uma das maiores e, quase sempre, a maior do Rio de Janeiro.
     O crescimento demográfico acompanhava o econômico, destacando-se a produtividade agrícola e as criações de gado. A agricultura destinada à subsistência e a exportação, com destaque para cana-de-açúcar, arroz, feijão, milho e mandioca. Os gados bovino, eqüino e asinino dividiam espaço com galináceos, patos e porcos, de forma que a questão alimentar era viabilizada. A cana era beneficiada em alambiques e engenhos, transformada em açúcar e cachaça. A carne bovina era beneficiada no local dando origem a embutidos e carne salgada.
     A caça e a pesca eram atividades comuns e importantes, contribuindo sobremaneira para o enriquecimento alimentar dos locais e manutenção da cultura nativa. Peles de animais silvestres e peixe salgado eram outras atividades desenvolvidas e muitas vezes exportadas (Varnhagen, 1962).
     O artesanato indígena dividia espaço com o artesanato de origem européia sendo importantíssimos para auto-suficiência local e atividades destinadas à comercialização externa. Madeira, argila, cipó, couro, peles, eram beneficiadas em oficinas com artesãos indígenas (Belchior, 1965).
Fontes Pesquisadas:
    Almeida, Maria Regina Celestino de (2000). Os índios aldeados no Rio de Janeiro Colonial: novos súditos cristãos do Império Português. Campinas – SP: Tese de doutorado apresentada ao Departamento de Antropologia do IFCH –UNICAMP.
    Almeida, Maria Regina Celestino de (2001). Metarmofoses Indígenas:Identidade e Cultura nas Aldeias Coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Prêmio Arquivo Nacional de Pesquisa, pp. 17-18, 23-25, 60-61, 45, 49, 68, 79-81, 81-83, 91-96, 100-102, 104.
    Cardim, Fernão (1925). Tratados da Terra e da Gente do Brasil. Lisboa: Editoração Almejara, p. 65, 224.
    _____________(1980). Do principio e origem dos índios do Brasil e de seus costumes, adoração e cerimônia. Rio de Janeiro: Scipione, p. 198.
    Cunha, Manoela Carneiro da (Org.) (1992). História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras; São Paulo: FAPESP.
    De Lery, Jean (2002). Viagem a Terra do Brasil. São Paulo: Editora Martins Fontes, pp.  20-21.
    Dias, Carlos Malheiros (1921). História da Colonização Portuguesa do Brasil. V.III. Porto: Litografia Nacional, p.259.
    Freire, José Ribamar Bessa (2006). Trajetória de muitas perdas e poucos ganhos. In: Educação Escolar Indígena em Terra Brasilis - tempo de novo descobrimento. Rio de Janeiro: Ibase, pp. 11.
    _____________ B. & Malheiros, Márcia Fernanda (1997). Aldeamentos Indígenas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UERJ, p. 79.
Holanda, Sérgio Buarque de (2000). Visão do paraíso: os motivos endêmicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Brasiliense/ Publifolha.
Kern, Arno Alvarez (1982). Missões: uma utopia política. Porto Alegre: Mercado Aberto.
    Leite, Padre Serafim (2000). História da Companhia de Jesus no Brasil. Edição Comemorativa dos 500 anos do Brasil. Volumes I a III. São Paulo: Edições Loyola, p. 122.
Moisés, Beatriz Perrone. Legislação indigenista colonial. Dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas, 1990.
Neves, Luiz Felipe Baeta (1978). O Combate dos Soldados de Cristo na Terra dos Papagaios. Rio de Janeiro: Forense Universitária, pp. 51-55, 77-79. 


MARCELO ABREU GOMES 
Licenciado em História, professor das redes pública e privada. Especializado em Educação lato senso pela PUC-RJ, stricto senso pela UAA-Py/Ujaen-Es, doutorando em Ciências da Educação pela UAA-Py/Ujaen-Es. Autor de livros de Históia regional, pesquisador para Tv, cinema, teatro, Carnaval e produção acadêmica.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

GUERRA PENINSULAR: A OPOSIÇÃO AO PLANO DE DEFESA DE WELLINGTON

Apesar da vitória na batalha de Talavera (27-28 de Julho de 1809) Wellington entendeu que o avanço do exército anglo-luso até Madrid era arriscado devido às discrepâncias com o exército espanhol quanto à adopção de uma estratégia comum e à ameaçadora proximidade do exército francês da fronteira portuguesa. Além disso, a diplomacia francesa obtinha mais uma relevante vantagem para Napoleão com repercussões na Península Ibérica. O tratado de paz entre o império francês e o império austríaco (14 de Outubro de 1809) possibilitava a Napoleão a formação de um grande exército de conquista de Portugal. Com a situação militar controlada em Espanha a terceira invasão seria apenas uma questão de tempo.
Neste contexto político-militar Wellington define um plano de defesa de Portugal. O plano visava preservar o exército, evitando os confrontos directos com o inimigo, de resultados imprevisíveis. Objectivando também a defesa de Lisboa, o plano prevê a invasão das Beiras e Estremadura, retirando destas os meios de subsistência ao invasor como parte da táctica da terra queimada e constrói as linhas de defesa de Torres Vedras. As linhas de Torres Vedras articulavam-se com o primeiro objectivo ao servirem de protecção a uma eventual retirada do exército inglês por mar.
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O plano de defesa de Portugal foi apresentado em Fevereiro de 1810 aos governadores do reino. Estes concordaram com a sua execução, aparentemente sem qualquer reserva. Contudo, a 9 de Agosto de 1810, verificou-se uma alteração no elenco governativo, com a nomeação de D. José António de Meneses e Sousa Coutinho, (principal Sousa) para o governo. Na opinião do principal Sousa, a defesa de Portugal devia fazer-se em território espanhol, por meio de batalha forte e dura ao invasor para impedir a sua entrada em solo português. Estava persuadido que permitir ao exército francês percorrer o país até às linhas de Torres Vedras era condenar a economia agrária e as populações. Obrigar as populações a abandonar casas e propriedades seria não só desmoralizante como lesivo para as finanças do reino, e consequentemente para o exército pela falta de dinheiro e de homens. Pensamento incompatível com o plano de defesa de Wellington que previa a evacuação da população em grande escala e a destruição de culturas e colheitas para retirar abastecimentos ao exército napoleónico.
Outro ponto discordante dizia respeito aos objectivos militares. Enquanto que Wellington tinha por objectivo primordial a defesa de Lisboa e a retirada em segurança do exército inglês em caso de retirada, o principal Sousa pretendia a defesa da integralidade do território português através de acções militares em Espanha. Criticava as premissas militares de Wellington interrogando-se retoricamente: «Há de a fuga ser o meio de resistir ao inimigo? Há de ser a ruína das propriedades o meio de defender o reino? Há de Lisboa só considerar-se o ponto a defender em Portugal, e gostosamente hão de os povos danificar as suas fortunas para defesa desta cidade?»[1].
Queixa-se Wellington a 30 de Novembro de 1810 ao príncipe regente D. João que além dos governadores do reino não terem competências políticas nos planos e operações militares, pois só ele era responsável perante o rei português e inglês pela condução do exército anglo - luso, foram, sobretudo devido à oposição do principal Sousa, demorados em tomar as medidas necessárias para dificultar o avanço do invasor e implementar a táctica da terra queimada. Como consequência desta demora, escreve Wellington, «o inimigo há achado na Estremadura todas as coisas que não somente podiam cooperar para o seu conforto, mas até mesmo para a sua subsistência e para os habilitar a manter a sua posição em Portugal»[2].
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O general inglês responsabilizava o principal Sousa pela sorte dos acontecimentos e pedia ao príncipe regente os devidos resultados políticos da sua acção: «Há sido pois a consequência da oposição ocasionada pelo principal Sousa contra as indicadas medidas que elas hão ficado improcedentes, e parte dos territórios de Vossa Alteza Real assim como do seu povo, estão agora suportando vexames e muitos pesados sofrimentos. A influência do principal Sousa se há em uma tal instância manifestado perniciosa e por isto deixo às sábias determinações de Vossa Alteza Real o decidir se acaso será conveniente que esta personagem continue um dos membros do governo» [3].
Não conseguindo o seu intento, Wellington, em carta de 20 de Outubro de 1811 aos governadores do reino, dispõe-se a «que tudo o que se tem passado sobre assumptos desagradáveis, seja para sempre esquecido; podendo eu com segurança afirmar que não tinha inimisade pessoal contra qualquer das pessoas de quem pensei que tinha rasão para me queichar […]»[4]. O principal Sousa permanece no governo até à Revolução liberal de 1820.

Fontes:

[1] Arquivo Histórico Militar (AHM)-DIV-1-14-002-34
[2] AHM-DIV-1-14-010-53
[3] AHM-DIV-1-14-010-53
[4] AHM/DIV/1/14/002/33

Rui Manuel C. Prudêncio 

Licenciado em História pela Universidade Autónoma de Lisboa (2001), pós-graduado na mesma instituição em Ciências Documentais, variante Biblioteca e Centros de Documentação(2003).

Lisboa - Portugal

sexta-feira, 2 de abril de 2010

UM DEDO DE PROSA COM O MINEIRO

 Tenho acompanhado de longe a criação das crianças em geral e fico daqui preocupado com o rumo que a moderna educação está tomando. Não sou tão embotado para entender que a vida já não é mais a mesma de antigamente e que as relações mudaram consideravelmente, e assim  ficar alugando meus parentes e amigos  com frases do tipo  “no meu tempo”, não funciona,  mas que a coisa está feia, lá isso está.
Onde foi parar o carinho, o respeito, a educação  com os mais velhos, com as mulheres, enfim com todos?
      Lembro-me bem da época que era estudante no famoso colégio PEDRO II do Rio de Janeiro, e o respeito que tínhamos pelos mestres e diretores é considerado coisa ridícula atualmente. Interessante que, hoje, os pais jogam a responsabilidade da educação para a escola e esquecem que professor dá instrução e os pais deveriam dar educação.
      Na verdade com a modernidade, a tarefa de educar e ensinar virou rotina dos professores.
     Antigamente, a sociedade era mais calma e tranquila, não tínhamos tanta violência, tantas pessoas obesas e com tantos problemas de saúde. Saudades do tempo em que se dava um bom dia para o vizinho,  cumprimentava-se um estranho e da conversa com os amigos, como dizem aqui em Minas “de uma boa prosa”.
     Do tempo em que não tínhamos tanta tecnologia e ficávamos até tarde na rua com  os amigos.
 Não tínhamos internet, MSN e outras pragas virtuais, tudo era combinado ao vivo, ali na presença de todos, conhecíamos cada morador da rua, cada garoto, pelo nome e não pelo Nick name.
     Outro dia estava numa conversa animada com alguns saudosistas também, e um deles falou que a culpa era das mulheres, que no ano de 1969, foram às ruas e às praças e queimaram seus sutiãs em sinal de protesto.   O que na verdade acabou não acontecendo, pelo menos não na mais famosa manifestação sobre o assunto. Lembro-me bem de que esse assunto fora discutido na época em que fazia o curso de História na Faculdade de Filosofia e Letras de Macaé – FAFIMA ano passado. De tanto ler e pesquisar tinha chegado à conclusão de que realmente o movimento feminista teve seu apogeu naquela época, afinal depois de séculos de opressão, chegaria a hora em que as mulheres lutariam por seu espaço, porém elas acabariam sendo vítimas da própria sociedade, uma vez que, sendo obrigadas a ajudar a compor a renda do casal,  paralelo a sua libertação, estariam também abrindo mão da família, já que os filhos passaram a ser cuidados por babás e por pessoas estranhas ao lar.
Não podemos negar que as mulheres ao buscarem seu espaço e  suas conquistas deixaram um vácuo na instituição chamada família, vácuo esse ocupado pela televisão, pelas más companhias, pela solidão e mais tarde pelos computadores e a internet, videogames e toda a parafernália eletrônica.
 Sem o convívio familiar, restrito a apenas poucas horas noturnas e poucos diálogos, uma geração inteira foi criada sem a rica experiência de convívio com os mais velhos e consequentemente perderam valores e costumes que tanto fazem falta nos dias de hoje. Isso sem falar da questão da saúde e da alimentação, que pioraram consideravelmente, já que, sem a comidinha da mamãe, muitos passaram a fazer suas refeições na rua, de forma rápida, pois assim a vida moderna exige.
Bons tempos aqueles... e por incrível que pareça, ainda encontramos parte dele no interior, um dos motivos de eu estar morando por aqui. Afinal nada melhor do que um bom e típico café mineiro com pão de queijo e uma boa conversa fiada.
Modernidade, globalização, por que essa geração tem tanta pressa? Qual a graça de se fazer uma refeição em pé, em pouco tempo, ou então apenas engolir um sanduíche industrializado.
Vejo que os grandes nomes da Literatura, das Artes, da Música se perderam com o tempo, e para piorar estão sendo substituídos por uma subcultura, que dá até dó.
     Pensar que Chico Buarque, Caetano, Roberto Carlos, Clarice Lispector, Mário Quintana, Drummond, Cecília Meireles vão deixar saudades. Com a perda dos bons valores e da boa educação, das referências em todas as áreas, sinceramente, tenho pena das próximas gerações, que com certeza cultuarão cada vez mais a tecnologia em detrimento do convívio familiar.
Complicada essa questão, não há como negar que a sociedade evoluiu muito nesses últimos anos e por conta disso, também evoluíram as relações, a alimentação, a medicina e tantas outras coisas, mas por outro lado evoluíram também as doenças, a falta de paciência e outras qualidades que os seres humanos tinham antigamente.
Mas uma das coisas que faz sentir em paz comigo mesmo e ter a consciência tranquila é o fato de ter conseguido passar para minhas filhas boas maneiras, uma excelente educação, o respeito aos mais velhos, o gosto pela leitura e assim contribuir para a formação do caráter de cada uma e saber que tudo aquilo pelo qual tanto lutamos, no decorrer de nossa vida, deu certo.
Como dizia meu velho pai: educação, prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

Um abraço do mineiro, inté...

Guaracinir de Carvalho
Amante do curso de Historia, autodidata e fotógrafo amador