“Lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje as experiências do passado”.
Ecléia Bosi
Ecléia Bosi

As lendas surgem na boca do povo e tentam, de alguma forma, explicar combinações de fatos reais e históricos com fatos que se misturam na imaginação das pessoas. Elas, diferentemente dos mitos, correm oralmente de geração em geração e, por isso, sofrem alterações à medida que vão sendo recontadas.
Deve-se levar em conta que uma lenda não significa uma mentira, nem tão pouco, uma verdade absoluta. Para ser criada, defendida e o mais importante, ter sobrevivido na memória das pessoas, ela deve ter, no mínimo, alguma parcela de fatos verídicos. Para outros, ao contrário, é apenas fruto da imaginação, da cultura popular ou confabulação de cada sujeito.De qualquer forma, nas lendas, fato e fantasia são interligados.
Em Macaé, uma das lendas que se mistura com a história da cidade e da memória coletiva, é a clássica Lenda de Motta Coqueiro. Conta a lenda que Manuel da Motta Coqueiro, filho de José da Motta e Ana Francisca do Nascimento, viveu cinquenta e três anos. Do seu casamento com Úrsula das Virgens Cabral, teve três filhos: Benedito, Ana e Domingas.

Retrato falado de Manuel da Mota Coqueiro
O apelido - “Coqueiro” - não consta oficialmente no nome de seus ascendentes nem descendentes. Forte e enérgico, Coqueiro destacava-se, também, por uma pigmentação escura no rosto. Pobre e trabalhador, ele conseguiu, nessa idade, acumular um patrimônio significativo. Dentre eles, terras de sesmaria em Macabu, Município de Macaé, Estado do Rio de Janeiro na época, um sítio Bananal, à margem do rio Macabu, com seiscentas braçadas de testada e meia légua de fundos, treze animais, pastos, lavouras, vinte e cinco escravos e objetos de valor numa casa em Campos dos Goytacazes.
A tranquilidade de Coqueiro e da pacata Macahé acabaram, quando no dia quinze de setembro de 1852, um inspetor de quarteirão em Carapebus - André Ferreira dos Santos - oficia ao subdelegado da mesma Freguesia, comunicando-lhe um bárbaro crime. Francisco Benedito da Silva e toda a sua família tinham sido encontrados mortos, em putrefação, e queimada a casa em que se encontravam, em Macabu. Constava, nessa notícia, que Manuel da Motta Coqueiro mandara seus escravos assassinarem toda a família, no domingo à noite, doze de setembro e que, no dia seguinte, mandara colocar fogo na casa.
Logo após esta notícia, que transformaria a Macahé e se misturaria com sua história anos mais tarde, aparecera a declaração divulgada pelo governo que dizia: “Por ordem do Sr. Chefe de Polícia da Província, com autorização da Presidência, faço público que se dará a quantia de dois contos de reis, a quem descobrir o paradeiro de Manuel da Motta Coqueiro e seus escravos, autores dos assassinatos praticados nos sertões de Macabu, em Macahé, de uma família inteira.
Em dezessete de outubro de 1852, Motta Coqueiro é capturado, pelo inspetor de Quarteirão, no Rio preto. Por ordem do subdelegado de Barra Mansa, em 21 de outubro de 1852, Motta Coqueiro é enviado ao delegado de Polícia do município de Campos.
Em 22 de janeiro de 1853, depois de uma sessão de júri, que durou 48 horas, foram condenados à última pena de morte ocorrida no Brasil, Motta Coqueiro, Faustino Florentino e o negro Domingos, os quais protestavam por novo julgamento. No Jornal do Comércio de 04 de março de 1855, lia-se o seguinte: “Ontem, às 9 horas da manhã, chegou ao arsenal da Marinha, o réu Manuel da Motta Coqueiro, condenado à pena última pelo bárbaro assassinato de uma família inteira, e embarcou logo para o vapor de guerra P.II., que, imediatamente, seguiu barra a fora, para conduzir o réu a Macaé, onde tem de ser executado no dia 06 do corrente ano”.
Motta Coqueiro foi enforcado numa quarta-feira, dia 07 de março de 1855, depois de ter assistido à execução dos seus co-réus. A população testemunhou, assim, pela segunda vez, o horrível espetáculo, na Velha Praça da Luz, hoje terreno do prédio do Colégio Estadual Luiz Reid e da FAFIMA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé. No patíbulo (palco tipicamente de madeira, usado para execução), Motta Coqueiro, tomado de extremo ódio da sociedade, teria lançado sobre a cidade de Macahé, a praga de “Cem anos de maldição”. A partir desta data e da maldição do enforcado, para os macaenses supersticiosos, qualquer situação desdita resultaria da praga do enforcado. Com o primeiro centenário da execução - 06 de março de 1955 - e a chegada da Petrobras na cidade, foi extinto o prazo da maldição.
Alguns anos mais tarde, descobriram-se, através de evidências escondidas na época, que Motta Coqueiro era inocente e tivera sido enforcado sem culpa.
Infelizmente, dizem que até hoje, pelas redondezas do quarteirão do Colégio Estadual Luiz Reid e da FAFIMA, nas altas horas da noite, algumas pessoas veem vultos e ouvem barulhos de correntes arrastando-se pelas calçadas. Alguns afirmam, veemente, que o vulto branco e fantasmagórico, além das longas correntes e do som lúgubre de intensos gemidos, são do enforcado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo. 1987.
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. A História e Romance de um Condenado à Morte. Rio de Janeiro. Record. 1988.
PATROCÍNIO, José do. Motta Coqueiro ou a Pena de Morte. Rio de Janeiro. Francisco Alves. Instituto Estadual do Livro. 1977.
Imagem: Reprodução do Livro Brasil Pela Imagem. Mostra Mota Coqueiro a caminho da forca - crédito Cláudia Barreto.
Rodrigo da Costa Araujo é professor de Literatura Infantojuvenil e Arte Educação na FAFIMA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé. Doutorando em Literatura Comparada e Mestre em Ciência da Arte pela UFF. Coordenador de Língua Portuguesa do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental e Ensino Médio da Secretaria Municipal de Educação de Macaé/SEMED. Coautor das Coletâneas Leituras em Educação (2011), Literatura e Interfaces (2011) eLiteratura Infantojuvenil: diabruras, imaginação e deleite (2012) lançadas pela editora Opção.
3 comentários:
É admirálvel sua maneira de lidar com as palavras de uma forma tão juvenil.Sou professora do 5º ano aqui na rede pública de Macaé e tenho encontrado dificuldades de repassar para os meus alunos, textos com essa linguagem. Parabéns pelo seu trabalho.
querida, obrigado pela gentileza!
Meu pai contava essa história. Mas parece que ele tentou contato com D Pedro , interfirir a seu favor, já que eram amigos. Mas D Pedro estava em Portugal e quando tomou conhecimento já era fato consumado..
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