sexta-feira, 29 de outubro de 2010

ENSINO DE HISTÓRIA


As questões que envolvem a educação tem gerado inúmeras e acirradas discussões. No interior dessas discussões ressalto algumas questões ligadas ao ensino de História, sendo esta disciplina uma das mais complexas para se ensinar, pois, a História é uma ciência ao mesmo tempo conceitual e teórica que requer muita leitura, raciocínio, coerência e reflexão. Como nos mostra os Pinsk através do historiador Hobsbawm: “...é impossível negar a importância, sempre atual, do ensino de História. Nas palavras do historiador Eric Hobsbawm: ‘Ser membro da consciência humana é situar-se com relação a seu passado’, um componente inevitável das instituições, valores e padrões da sociedade”  (Pinsky, 2005. P. 19). Por isso mesmo, é que essa disciplina exige do professor uma permanente atualização e pesquisa. Todo professor de história deve antes de tudo, tornar-se um pesquisador. O professor Knauss nos ensina que o processo de construção de conhecimento demanda pesquisa científica (Knauss, 2001). Como o professor, nesse caso o professor de História, poderá levar seu educando a compreensão do mundo, indagá-lo e ao mesmo tempo procurar induzir nesse mesmo educando o sentido do saber histórico, como um saber em construção, se ele próprio não buscar essa construção? Nesse sentido é importante lembrar que a construção do conhecimento é permanente e constante, portanto o sujeito do conhecimento é um sujeito em permanente construção, pois conhecer o mundo em que vivemos requer estudo permanente, seja o sujeito do conhecimento aluno, professor/pesquisador, ou qualquer outro indivíduo.
 No exercício do magistério para que haja coerência, dinamismo e satisfação das necessidades de aprendizagem do educando, é fundamental que o professor tenha as condições favoráveis para o desempenho de suas funções, incluindo a de pesquisador. Tais condições passam não só pela melhoria de salários, como também pelos recursos pedagógicos necessários que deveriam estar ao seu alcance e dispor. Além disso, é de fundamental importância que ao professor sejam dados o suporte legal necessário para que possa agir, dentro da ética que lhe é facultada, quando desrespeitado pelo seu educando. A nossa realidade atual, clama veementemente o resgate à dignidade do professor, pois, grande parte de nossa juventude precisa de um referencial positivo, para tornar-se pessoa eticamente humana e dotada de responsabilidade para com o social. “No Brasil, diante do panorama atual, só uma educação de qualidade, que tenha o ser humano e suas realizações como eixo central, pode nos fazer, como nação, dar o salto qualitativo a que tanto aspiramos, por meio da qualificação de nossos jovens (...) a era de comunicação e serviços em que estamos prestes a viver tende a substituir a força física pela sutileza e pela educação formal. Os países que não agirem a favor da História ficarão fadados a distanciar cada vez mais daqueles outros, ricos ou não, que colocam a educação e a cultura (incluindo a história) como prioridade real” (Pinsky, 2005. P. 21-2). Portanto uma educação de qualidade de fato, cabe não só ao professor, mas também requer vontade política, responsabilidade, compromisso, ética e investimento no Ser Humano, por parte dos que governam este país. Portanto, não basta apenas que o professor cumpra a sua parte, para que ele possa cumprir a sua parte, requer também investimento e valorização na sua formação.
Historicamente a relação entre professor, aluno e sociedade tem sido mediados pela imagem do professor como um mero reprodutor da cultura dominante e burocrata. Todavia, o professor longe de ser um mero executor, assume funções de um verdadeiro intelectual, capaz de repensar e reformular, criticamente, as condições e tradições históricas que tem impedido de assumir suas potencialidades como intelectual e como profissional ativo e reflexivo, considerando o ato educativo como político e como uma forma de luta.  Nessa luta o professor de história deve utilizar seu espaço no currículo, para selecionar conteúdos capazes de formar a consciência histórica do educando. No ensino de História, o professor tem que tomar posição e ter consciência de seu papel na transmissão do conhecimento em todos os níveis do ensino/aprendizagem. Tendo em vista que a transmissão crítica de conhecimento é apenas um meio, não um fim, mas é necessário para a afirmação da consciência histórica. Quem detém essa consciência está apto a colaborar com o processo de emancipação do Homem rumo à cidadania plena, isto é, o cidadão dotado dos direitos civis, políticos e sociais. “...o conhecimento histórico deve ser orientado no sentido de indagar a relação dos sujeitos com os seus objetos de conhecimento, provocando seu posicionamento, questionando as formas de existência humana e promovendo a redefinição de posicionamentos  dos sujeitos no mundo em que vivem. A partir disso, é preciso considerar que a produção do saber histórico evidencia-se como instrumento do mundo e não mera disciplina (Knauss, 2001. P. 28). Ai deve residir nossa necessidade de estudo permanente enquanto formadores de seres Humanos pensantes e atores no mundo em que vivemos. Nossa responsabilidade é de suma importância, não podemos em hipótese alguma nos esquivarmos dela. É claro que a luta para alcançarmos um ensino de História de qualidade não é de agora, vem de muito tempo.
Com o golpe militar de 1964, o ensino de História sofreu uma série de mudanças que se aprofundaram após 1968. No bojo das transformações impostas pela ditadura, a desqualificação do professor de uma maneira geral a do professor de História em particular, deu-se por força das imposições político-ideológicas, que levaram o ensino de História a uma ação engendrada, a serviço daquela ideologia dominante. Os princípios norteadores da nova educação implantada pelos governos militares – Segurança Nacional e desenvolvimento – chocaram-se com os princípios de autonomia do professor, daí todo um trabalho de rebaixamento e desqualificação desse profissional. Paralelo a isso, o Estado autoritário impôs um programa de “requalificação” de professores através das chamadas licenciaturas curtas. Essa política incidiu mais fortemente sobre o ensino de História e Geografia, que foram substituídos pela disciplina de Estudos Sociais.
O Estado passou a investir na requalificação de professores da área de educação com o objetivo de exercer um controle ideológico na formação de jovens, na formação dos “cidadãos” e do pensamento brasileiro. E nesse empreendimento, o profissional oriundo de uma licenciatura curta e com um conteúdo comprometido com os ditames do poder, estaria mais propenso a responder às expectativas ideológicas do Estado autoritário.
Passado o período de ditadura, com a abertura política e o surgimento do Estado “democrático”, o projeto educacional tem-se apresentado sobre outro prisma. Porém, não tem conseguido acompanhar a realidade social a que estamos inseridos. O afastamento das questões reais e da própria autonomia do professor, diante dos parcos recursos que lhe são oferecidos, com conteúdos mais complexos e ampliados, ao mesmo tempo em que se diminui a grade curricular para a disciplina, dificultam o retorno da História como disciplina central na formação de opinião. “Ao substituir aulas de História, drasticamente reduzidas em muitas escolas, por disciplinas mais práticas e mais úteis (...) abre-se mão de um instrumento precioso para a formação integral do aluno” (Pinsky, 2005. P. 19. Grifos do autor). Tal redução vem ao mesmo tempo em que ocorre a ampliação dos conteúdos na disciplina de História, como a necessidade do estudo do século XX e do cumprimento da Lei 11.645, de 2008, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.
Como reação e tentativa de revertermos este processo, devemos buscar na prática um ensino conscientizador. Da maneira que o ensino se apresenta, que espécie de pensamento crítico a escola está formando? Como o professor de História pode influir nele, ratificando-o ou transformando-o? Em um mundo que se configura cada vez mais de excluídos do bem estar social, como direcionar o conhecimento dos processos históricos para proveito desses despossuídos? Para que sejam principalmente esses os questionadores desse sistema e das injustiças que nele se apresentam.
A História não deve ser a ciência que sirva para legitimar o poder, mas sim para questioná-lo. E isso só ocorre quando os menos favorecidos aprendem a se colocar e a reivindicar seus direitos e sua inclusão enquanto indivíduos pertencentes a uma sociedade historicamente constituída. Afinal, como bem afirma Alberto Camus: “Só conseguimos agir no nosso próprio tempo, entre os homens que nos cercam. Nada sabemos, enquanto não soubermos se temos o direito de matar este outro que se acha diante de nós ou de consentir que seja morto”. (Camus, 1997, p. 14). Principalmente quando se trata da morte intelectual. Precisamos resgatar o que a ditadura nos tirou – a consciência de ação, ou melhor, a consciência de agir no mundo, de sermos sujeito da nossa própria História. Enquanto nós professores de História temos mais do que todos a obrigação de levar adiante essa ação, por isso não podemos nos descuidar da nossa formação permanente, trabalharmos o máximo possível para que a Lei 11.645 seja cumprida, pois, afinal, o povo brasileiro é majoritariamente negro e indígena. Enfim, é lutando pelos nossos direitos, primando para que haja um ensino de qualidade de fato e pela formação de Seres pensantes, historicamente conscientes e socialmente úteis, que estaremos cumprindo com o nosso papel não só de Professores que somos, mas também de construtores de uma cidadania de fato e não de fachada.

Referências Bibliográficas

BITTENCOURT, Circe (org). O saber histórico na sala de aula. 4. ed. São Paulo : Contexto, 2000.

CAMUS, Albert. O Homem revoltado. 3. ed.  Rio de Janeiro : Record, 1997.

DÉA, R. Fenelon. A questão dos estudos sociais. Cadernos CEDES. A prática do ensino de história. São Paulo: Cortez; CEDES. N.10, 1984.

PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma história prazerosa e conseqüente. In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 3. ed. – São Paulo : Contexto, 2005.

KNAUSS, Paulo. Sobre a norma e o óbvio: a sala de aula como lugar de pesquisa. In: NIKITIUK, Sônia L. (org). Repensando o ensino de história. 3. ed. – São Paulo : Cortez, 2001. (Coleção questões da nossa época; v. 52).



Jussara Garcia Celestino. Mestre em Memória social e documento pela UNIRIO, Pós em História Contemporânea e Brasil pós-30 pela UFF, graduada em História pela PUC. Participou da elaboração do Guia de Fontes para a História do Ensino Médico no Rio de Janeiro (1808-1907) pela FIOCRUZ, Casa de Oswaldo Cruz. Atualmente leciona na FAFIMA a disciplina de Metodologia do Ensino de História. É professora das redes estadual e municipal de Macaé.