“A Imprensa em
Macaé nasceu numa terça-feira, 1° de julho de 1862, dia em que da tipografia de
Seraphim Tavares de Oliveira Nichteroy, à Rua da Boa Vista, saiu o primeiro
exemplar de 'O Monitor Macahense”. O pioneiro do jornalismo nosso, que obedecia
à orientação política do Partido Conservador e se intitulava “político,
literário, comercial e agrícola” circulava duas vezes por semana; às terças e
sextas. Durou até 1870, quando sua tipografia foi à praça, ao que tudo indica por
dificuldades financeiras. Como fato importante de sua existência pode ser
citada a visita que lhe foi feita, em 5 de julho de 1868, pela Princesa Isabel
e pelo Conde d'Eu, quando por aqui estiveram. Visita discriminatória, já que na
ocasião circulava outro jornal macaense, “O Telegrapho”.
Discriminação
explicável, porém. “Este último era publicação de tendências liberais.” [1]
Em
Macaé, na segunda metade do século XIX, mais precisamente 1862, quando um
movimento em direção à informação tomou corpo no jornal “O Monitor Macahense”,
a sociedade, ainda pouco letrada da época, não imaginava que recebia um
instrumento valioso e único na formação da sua expressão cultural.
Entrávamos
aos poucos nas transformações tecnológicas que o mundo já rapidamente absorvia
e uma nova mentalidade se construiria, mesmo que lentamente, modificando
concepções e criando as imposições de uma nova ordem capitalista contemporânea.
O jornal é um veículo que trabalha na difusão
de ideias, na transmissão de conceitos, entretenimento e, sem dúvida nenhuma,
na acumulação de conhecimento. Ele em
parte se torna o espelho da sociedade de
sua época.
Mesmo com ressalvas à sua parcialidade, pois o
jornal é uma fonte indutora à formação da opinião pública, cabendo a cada linha
editorial a defesa de interesses de segmentos da sociedade, a importância da mídia escrita se tornou
imprescindível a partir de 1929, com o movimento dos Annales[2], na construção de uma Nova
História.
A
partir da década de 80, a micro-história ou a História “contada em migalhas”
passou a ser observada e utilizada no desenvolvimento historiográfico de modo mais
abrangente, onde o papel do jornal passa a ser o de mostrar sua subjetividade e
produzir questionamentos que viriam compor um quadro social.
A micro-história revela os conflitos, as
negociações, a incerteza do vínculo social. (...) Na historiografia dos últimos
Annales, há um retorno da
subjetividade, descentrada, excêntrica, capaz de produzir inovações de sentido.[3]
O surgimento desse novo conceito, menos
factualista, não mais fechado em decisões e ideias de grandes homens, passa a
ser o instrumento de alargamento das abordagens possíveis dentro de um texto,
antes engessado por uma concepção que não abrangia todos os aspectos sociais. Os
Annales rompem o padrão da História Política tradicional para a escrita de uma
história social, o que iria influenciar na formação de uma nova história
política mais antenada com as relações de poder na sociedade. Com isso o
historiador pôde problematizar e buscar preencher as lacunas deixadas pela
metodologia anterior, descobrindo fatos ou sugerindo questionamentos que ajudam
a reconhecer o papel do indivíduo no seu contexto histórico, sua consciência e
a sua interligação na construção historiográfica.
Para
entendermos melhor o papel do historiador, podemos usar como exemplo um simples
anúncio do Jornal Monitor Macahense de 10 de maio de 1867.
Figura 1- Anúncio do Jornal Monitor
Macahense 10 de maio de 1867
À
primeira vista nos parece um simples anúncio comercial de alguém que quer
vender seu produto. Mas acurando o olhar, observando com mais atenção, o
historiador pode fragmentar essas informações fazendo uso da hermenêutica /
fenomenologia[4]. A hermenêutica mostra o pertencimento
do interprete ao seu mundo, habitando e interagindo com ele, interpretando o
fenômeno que aparece e não se mostra.
O passado tal como foi só pode ser abordado
com a contribuição da imaginação. Não se trata de confundir o real com o
irreal, mas de mostrar como o imaginário faz parte da visada do ter-sido, sem
enfraquecer o seu realismo. O imaginário tem seu lugar na História na medida em
que o passado não é observável.[5]
O
anúncio nos fala de alguém, com o nome de Gervasio, que mora na Rua Direita e
vende um gênero alimentício que ele alega ser de grande qualidade. Porém podemos ir além dessas informações.
O anúncio não nos informa o número da casa nem
o sobrenome desse indivíduo, o que sugere ao historiador se tratar de alguém
bastante conhecido na região e que provavelmente possuía recursos financeiros
por morar na principal rua da cidade.
Outro fator que também chama a atenção é a
venda desse produto em sua casa, posicionando assim um modelo de produtor rural
( agricultor/ pecuarista) que pode ser ou não um latifundiário , produzindo e comercializando em sua residência, criando
um comércio paralelo que não se restringia ao comércio praticado nos empórios. Ou
ainda, um intermediário que fazia a ponte com outros produtores da região ou de
áreas distantes.
Logo,
podemos ter uma nova perspectiva na construção econômica da cidade desse
período, confluindo com as variadas vertentes já existentes e resultando em um
somatório de dados que fecham os espaços deixados pela macro-história e que revelam
tendência e desconstroem mitos como o de se tratar a cidade como uma vila de
pescadores antes da chegada da Petrobrás.
Vivenciamos no passado uma economia ativa que
nos colocou em 6º lugar em movimentação portuária, escoando os produtos da
região para todo o país. E a maldição de Mota Coqueiro nunca passou de uma
história triste e mal resolvida do passado Imperial, alimentada pelos folhetins.
Os jornais , juntamente com os documentos que sobreviveram ao descaso do poder público,
nos ajudam a construir essa história social/econômica, proporcionando uma quadro próximo do real, onde as formas
e as cores vão surgindo conforme as
descobertas propostas pelo seu investigador.
Obviamente que a metodologia dos Annales não é única na análise crítica da
construção historiográfica, mas com certeza é a que mais nos aproxima do
aspecto individual, problematizando a dualidade da natureza/cultura, o lugar do
sujeito como ator social e sua responsabilidade direta na multiplicidade das
interpretações.
Assim, podemos contar uma nova história
macaense, ajudados pela elaboração crítica dos jornais de diferentes épocas e
contribuindo com o fechamento de brechas deixadas pelo tempo e que hoje podem
ser descritas e mostradas, ajudando a pensar o presente- futuro, orientado
pelos passos do passado de um modo problematizante, polêmico, sem, entretanto, legitimá-lo
como continuidade, pelo contrário, mas como tempo de aspectos diferentes e de alteridade
própria.
Os jornais sejam eles do passado ou os que
acompanham os fatos do presente, constituem uma importante fonte na preservação
do conhecimento, da história e na concentração de diferentes culturas. Mesmo sabendo que existe uma dualidade
intencional no papel que ele exerce, formando ou deformando opiniões, cuja
informação é manipulada conforme os interesses políticos/ econômicos /sociais,
ainda assim podemos utiliza – lo na construção de teias que, interligadas
estruturariam uma fonte de pesquisa importante, integrando hoje a sociedade ao
cotidiano mundial, informando e proporcionando uma análise do comportamento,
transformando e gerando pensamentos que contribuem para enriquecer o coletivo, sem
entretanto excluir o individual.
[1]
PARADA,
Antônio Alvarez. Histórias Curtas e
Antigas de Macaé, vol. I. Rio de Janeiro: Ed. Artes Gráficas, 1995, crônica
27, pág. 22.
[2]
A chamada escola dos Annales é um movimento historiográfico que se constitui em torno do periódico acadêmico francês Annales
d'histoire économique et sociale, tendo se destacado por incorporar métodos das Ciências Sociais à História; A escola des Annales renovou e ampliou o quadro das
pesquisas históricas ao abrir o campo da História para o estudo de atividades
humanas até então pouco investigadas, rompendo com a compartimentação das Ciências Sociais (História,
Sociologia, Psicologia, Economia,Geografia humana e assim por diante) e
privilegiando os métodos pluridisciplinares.
[3]
REIS, José Carlos. O desafio
historiográfico. Rio de janeiro. Ed. FGV, 2010. Pg.54
[4]
Hermenêutica é ciência que
estuda a arte e a teoria da interpretação. Fenomenologia e o sistema filosófico em que se estudam os
fenômenos interiores, a
essência do ser, da existência.
[5] REIS, José Carlos. Op. Cit., pp.79
IVANA MATOS PINHEIRO TAVARES
Professora de História na rede particular de ensino de Macaé
Graduada em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé
Macaé - RJ